A inserção do agronegócio brasileiro no mundo em tempos turbulentos

Evento no Insper discutiu os desafios e as oportunidades do setor e marcou o lançamento de documento com propostas que serão entregues aos candidatos à presidência da República

Tiago Cordeiro

Responsável por 27% do PIB, 20% dos empregos e quase metade das exportações do país, além de ser o setor mais internacionalizado da economia brasileira, o agronegócio ainda precisa encarar uma série de desafios para diversificar sua pauta de exportações e fortalecer sua posição. Entre os pontos que precisam de melhorias estão áreas como competitividade, governança, acesso a mercados e meio ambiente.

São temas complexos, que dependem de fatores de alcance global, como a recuperação da economia pós-pandemia, a taxa de inflação em alta em vários países, o enfraquecimento do multilateralismo, o conflito armado na Ucrânia, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e a ameaça cada vez mais concreta das mudanças climáticas.

Nesse cenário turbulento, é possível — e recomendável — implementar políticas públicas multidisciplinares e complementares, de forma a contribuir para o setor enfrentar seus desafios. Esse é o objetivo do policy paper “Políticas públicas para a inserção competitiva e sustentável do agronegócio brasileiro no mundo”, apresentado durante um evento híbrido realizado no último dia 23 de junho no auditório do Insper. O documento é parte de um conjunto de sugestões denominado “Política Externa do Amanhã”, que está sendo elaborado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) para ser entregue aos candidatos à presidência da República nas eleições deste ano.

“Queremos apresentar aos candidatos à presidência uma série de reflexões sobre a política externa nacional. Elas serão entregues em um evento a ser realizado no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, possivelmente em setembro”, disse Feliciano de Sá Guimarães, diretor acadêmico do Cebri e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo.

“Todos conhecemos o que o agro brasileiro virou, mas é importante olhar para os desafios quando se trata de pautar política públicas”, afirmou Marcos Sawaya Jank, professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do Insper Agro Global. “Já são vinte anos de imobilismo na política comercial agrícola. Não fizemos acordos internacionais relevantes nesse período e ainda dependemos da exportação de um número reduzido de comodities”, disse. “A logística melhorou, mas ainda é um desafio, e o mundo ainda vê a sustentabilidade do setor no Brasil pelo lado negativo, por causa do desmatamento, e não pelo lado positivo, que são os ganhos proporcionados pela agricultura tropical.”

Grandes desafios

Participaram do evento, como debatedores, Fernando Queiroz, CEO da Minerva Foods, José Roberto Mendonça de Barros, economista sócio da consultoria MB Associados, Paulo Hartung, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e conselheiro do Cebri, e Teresa Cristina Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira.

“Todo investidor precisa de segurança e horizonte. Para atrair investimentos, precisamos fazer algumas lições de casa, começando pela simplificação fiscal. A exportação se tornou um desafio burocrático marcado por batalhas jurídicas. É muito difícil explicar a um investidor estrangeiro como funciona o sistema tributário brasileiro”, disse Queiroz. “De outro lado, o Brasil tem uma forma de produzir muito mais diversificada e inclusiva. Se existe um lugar em que é possível gerar produtos neutros em carbono, é na América do Sul”, afirmou. “Estamos em um momento único. A segurança alimentar se tornou a principal pauta da maioria dos países ao redor do mundo, o que abre grandes oportunidades para o Brasil.”

De sua vez, Mendonça de Barros avaliou que boa parte do planeta vive um cenário de inflação alta, que deverá ser contida nos próximos meses à custa de recessão em vários países desenvolvidos. “Para o ano que vem, prevemos que a desaceleração das atividades vai provocar uma redução na procura por comodities, o que naturalmente vai levar a uma queda nos preços”, disse o economista. Por outro lado, observou, “como o Brasil é muito grande, já reúne diferentes experiências. É infinito, por exemplo, o que se pode fazer com a integração lavoura-pastagem. O agro é um dos poucos setores que está do lado do sol”.

Mendonça de Barros destacou também a importância de aprimorar a governança do setor privado. “O desenvolvimento tecnológico está transformando a agricultura no equivalente ao que se chama de indústria 4.0. O processo de produção é cada vez mais uma amálgama bastante complexa de recursos naturais e tecnologia, com alto consumo de equipamentos do setor industrial e de serviços. Só que a nossa governança privada é feita ainda em setor primário, secundário e terciário. Isso não existe mais no mundo moderno. O grande desafio, antes de falar com o governo, é o segmento privado olhar para si mesmo.”

Espaço para crescer

Teresa Cristina Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira, acaba de voltar de uma viagem por uma série de países árabes, do Oriente Médio e da África. “Vimos um cenário de insegurança alimentar, sustentada pelo fato de a guerra estar presente na rotina desses países, um problema que não bate às nossas portas. Esses países querem comprar de tudo o que pudermos produzir.”

Teresa Cristina disse que o agronegócio tem grandes desafios, mas também já conseguiu avançar bastante nos últimos anos. Citou o caso do frango: “Há 20 anos, o país demorava 55 dias para produzir um frango de 2,5 quilos. Hoje leva 42 dias para produzir um frango de 3,5 quilos. Houve um avanço muito grande, e esse é apenas um dos exemplos”.

Por sua vez, Hartung lembrou que a evolução tecnológica do setor ainda é desigual. “Quando olhamos para os últimos 50 anos, percebemos que um pequeno número de propriedades alcançou um novo padrão de produtividade. Temos mais de 4 milhões de propriedades que não foram atingidas pela modernização. Esse é um espaço para crescer, sem derrubar uma árvore sequer. Para isso, o setor produtivo precisa pressionar os gestores de políticas públicas.”

Hartung observou que o Brasil vive um momento delicado, com algumas encruzilhadas nacionais e internacionais, mas precisa ter a capacidade de enxergar as oportunidades. “Como o brasileiro gosta de dizer, tem muita bola na cara do gol, e sem goleiro. Na história do Brasil, já vimos essa cena muitas vezes, mas acabamos chutando a bola para fora. Precisamos mudar esse roteiro”, disse. “A descarbonização é uma enorme oportunidade para o país, não um problema. Temos a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do planeta. O que precisamos é transformar todo esse potencial em oportunidade”, afirmou.

Fonte: InsperAgroGlobal