*Wellington Souza
O forte crescimento da atividade agropecuária no Brasil vem gerando, por parte de produtores envolvidos na cadeia do agronegócio, significativo aumento na demanda por recursos que os empréstimos e financiamentos convencionais são cada vez menos capazes de atender. São também cada vez mais limitadas as linhas de crédito com subvenção governamental, com taxas de juros subsidiadas e dependentes da ação pública — o cenário desfavorável de elevado déficit público, que já é crônico, vem incapacitando o Estado de ser o indutor do crescimento de linhas de crédito para o setor.
É diante deste cenário desafiador que tem ocorrido uma participação maior do mercado de finanças privadas no financiamento do crédito rural. E, neste sentido, a Lei do Agro 13.986/2020 marca um “divisor de águas” importante para o financiamento do setor no Brasil, com o aprimoramento da legislação dos títulos do agronegócio e a regulamentação de sua aplicação nas operações de crédito rural com taxas de juros livremente fixadas.
Mesmo que um novo cenário de reequilíbrio das contas públicas por parte do governo, via ajuste fiscal, possa liberar mais recursos para a subvenção do agronegócio brasileiro, o elevado potencial de expansão da atividade agrícola no país demandará volumes crescentes de recursos que o financiamento público não será capaz de prover.
Segundo a Embrapa, o Brasil possui cerca de 245 milhões de hectares agricultáveis, o que corresponde a menos de 30% do território nacional. Destes, aproximadamente 20%, ou cerca de 50 milhões de hectares, estão ocupados com grãos, 10 milhões cultivam cana-de-açúcar e outros 25 milhões estão sendo utilizados para outras culturas de menor porte.
A diferença, que equivale a cerca de 160 milhões de hectares, são basicamente áreas de pastagens, sendo que 2/3 delas apresentam algum nível de degradação. Isso significa um potencial de pouco mais de 100 milhões de hectares de pastos que poderão ser recuperados e mais bem aproveitados em atividades agropecuárias. Dito isso, o Brasil possui potencial para, no mínimo, dobrar sua produção agrícola sem derrubar sequer uma árvore no bioma da Amazônia. Isso sem falar nas grandes oportunidades que surgem com a manutenção da mata nativa e a melhoria de processos para a mitigação de emissões, como já explorado em outros artigos da newsletter do Insper Agro Global (leia também aqui).
Os grandes avanços tecnológicos conquistados pelo agronegócio brasileiro foram traduzidos em elevados níveis de produtividade, competitividade e diminuição de impactos ambientais nos últimos anos, o que tem permitido ao agronegócio “andar com as próprias pernas”.
Para ter ideia desta autonomia do agronegócio brasileiro, basta comparar os níveis de subvenção governamental, via subsídios, em relação à mesma atividade nos Estados Unidos, que possuem aproximadamente o dobro da área plantada em relação ao Brasil.
Nos EUA, os subsídios para suas três principais culturas (soja, milho e algodão) chegam a US$ 65 bilhões. No Brasil, esta subvenção, aprovada conforme o último Plano Safra referente a 2022/23, é de apenas R$ 13,5 bilhões, o que equivale a menos de 5% do que o governo americano gasta com subsídios ao seu produtor.
Espera-se, também, que a inflação mundial ceda nos próximos anos e que as taxas básicas de juros de mercado no Brasil voltem aos patamares de um dígito, viabilizando financiamentos com juros mais acessíveis para toda a cadeia. Em um cenário de juros mais baixos, que já vivenciamos em 2018 e 2019, por exemplo, a diferença entre as taxas de juros subsidiadas pelo governo e as taxas de juros livres de mercado tende a ficar bem reduzida, o que deve diminuir o uso de crédito com subvenções governamentais, sobretudo para os produtores de médio e de grande porte.
E atualmente não faltam instrumentos de financiamento no mercado de capitais. A Lei do Agro criou um ambiente muito mais favorável para um dos mais tradicionais instrumentos de financiamento, que são as CPRs, as Cédulas de Produtor Rural.
A partir da nova lei, as CPRs não precisam mais ser registradas em cartório e, sim, somente na B3, a Bolsa de Valores brasileira. Essa alteração trouxe uma redução bastante significativa nos custos operacionais de registro desses títulos de crédito.
As operações de securitização de recebíveis também vem ganhando forte tração, mesmo numa conjuntura adversa de mercado. Entre elas se destacam os CRAs, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio, que são títulos de crédito privado vinculados a direitos creditórios que podem ser emitidos por produtores agrícolas, cooperativas ou empresas com atuação no agronegócio. Os CRAs são emitidos por “securitizadoras”, que são empresas autorizadas pela CVM a “empacotar” os recebíveis que servirão de lastro para a emissão dos títulos. São papéis que possuem grande atratividade para os investidores, pois são isentos de imposto de renda sobre os rendimentos.
Segundo a Ambima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), de um total de emissões de R$ 15,7 bilhões nos nove primeiros meses de 2021, o volume de CRAs mais do que dobrou no mesmo período de 2022, totalizando R$$ 33,3 bilhões. E o potencial de crescimento não para por aí. Apesar desse crescimento, o volume corresponde a somente 8,3% do total de emissões de títulos no mercado de capitais no mesmo período (R$ 401,6 milhões), o que ainda é pouco se consideramos que o agronegócio representa cerca de um quarto do PIB brasileiro.
Uma outra novidade recente são os Fiagros, os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, criados ao longo de 2022, por meio da Lei 14.130.
Os Fiagros são instrumentos de captação de recursos listados na Bolsa de Valores e que, assim como os CRAs, são isentos de imposto de renda para os investidores.
Os recursos captados por meio desse tipo fundo devem necessariamente ser investidos em títulos financeiros do agronegócio como os CRAs e as LCAs (estas, emitidas por instituições financeiras), ou até mesmo na aquisição de propriedades rurais ou em participação societária em empresas do agronegócio.
No final de 2022, as operações de Fiagro superaram a marca de R$ 10 bilhões. O mercado acredita que em cinco anos esse volume de negócios poderá atingir R$ 100 bilhões.
Mas para que, de fato, todo esse crescimento esperado realmente ocorra, a cadeia do agronegócio vai precisar subir alguns degraus no seu nível de governança corporativa. Sobretudo dentro da porteira. Para isso, é necessária a adoção de um nível mais elevado no grau de profissionalização na atividade da produção rural e nas empresas que atuam como revendas de insumos, que são os segmentos que geralmente estão em níveis inferiores em relação ao restante da cadeia no que se refere à governança.
Melhores práticas e divulgação de informações confiáveis ao mercado são condições necessárias para que o capital chegue até o campo com taxas mais competitivas em decorrência de uma percepção de menor risco para o investidor. Eis o grande desafio que temos pela frente.
* Wellington Souza é economista, sócio-consultor da Stracta Consultoria e membro do Comitê Alumni de Agronegócios do Insper
Fonte: InsperAgroGlobal