- Expansão da área plantada com açaizeiros para terra firme ocorreu nos últimos 12 anos, com a adoção de tecnologias geradas pela pesquisa.
- Estudo analisou a adoção das cultivares BRS Pará e BRS Pai d’Égua, únicas no mundo para o plantio do açaizeiro em terra firme.
- Aumento na geração de renda nas propriedades agrícolas foi registrado na avaliação de impacto da BRS Pará.
- Benefício econômico com a adoção dessa tecnologia para as regiões analisadas é estimado em, aproximadamente, 201 milhões de reais.
- Avaliação de impacto da cultivar mostrou também efeitos positivos na qualidade do solo e na conservação da biodiversidade.
A área plantada das cultivares de açaizeiro (Euterpe oleracea) para terra firme desenvolvidas pela pesquisa agropecuária aumentou 675% nos últimos 12 anos, indica estudo conduzido pela Embrapa. Com sementes de qualidade genética superior e práticas de manejo adequadas, o cultivo do açaizeiro fora das áreas de várzea se expande na Amazônia e em outras regiões do Brasil e aumenta a oferta de frutos ao mercado. Efeitos positivos sobre a geração de renda nas propriedades agrícolas, na qualidade do solo e na conservação da biodiversidade também são registrados.
O monitoramento da adoção de tecnologias analisou as cultivares BRS Pará e BRS Pai d’Égua, lançadas, respectivamente, em 2005 e 2019. Essas cultivares são únicas no mundo para o plantio do açaizeiro em terra firme, uma vez que a palmeira é natural das áreas de várzea. O trabalho mostra que em 2010 havia no Brasil, principalmente no estado do Pará, 6.886 hectares de açaizeiro plantados com a cultivar BRS Pará. Em 2022, com as duas cultivares disponíveis no mercado, a área saltou para 53.374 hectares (39.800 hectares da BRS Pará e 13.574 hectares da BRS Pai d’Égua).
Pará, Amazonas, Maranhão, Rondônia, Bahia, Amapá e Roraima são os estados que mais se destacaram na adoção das tecnologias, de acordo com o monitoramento. “A estimativa de adoção é calculada a partir da comercialização de sementes e mudas pela empresa licenciada pela Embrapa”, explica o economista Aldecy Moraes, analista da Embrapa Amazônia Oriental. A conta considera plantios de 400 plantas por hectare em espaçamento de 5 por 5 metros, de acordo com as recomendações da pesquisa. O trabalho considera, ainda, uma porcentagem de perdas (50% para 1 quilograma de sementes e 20% a 30% para mudas para 1 hectare plantado) e os resultados são validados junto a produtores da região.
O monitoramento da adoção de tecnologias, segundo o analista Renato Castro, da área da Transferência de Tecnologia da Embrapa Amazônia Oriental, além de verificar o grau de sucesso das soluções desenvolvidas pela pesquisa, “traz um olhar mais rico, através dos diversos indicadores analisados, dos motivos pelos quais a tecnologia está sendo ou não adotada pelo produtor. Quando esses dados são tratados, consolidados e analisados, retroalimentam o sistema de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Empresa”, acrescenta.
O trabalho complementa a Avaliação de Impacto de Tecnologias, metodologia consolidada pela Embrapa e que avalia os impactos econômicos, sociais e ambientais das tecnologias desenvolvidas pela pesquisa. Profissionais de quatro Unidades da Embrapa na região Norte (Amazônia Oriental, Amazônia Ocidental, Amapá e Roraima) participaram da avaliação.
Crescimento da produção
Entre as culturas perenes produzidas no Brasil, como café, laranja, cacau e dendê, o crescimento da produção de açaí ganha destaque nos últimos anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) monitora essa produção desde 2015 e considera tanto o açaí manejado das áreas de várzea quanto o cultivado. A área colhida no Brasil cresceu quase 72 mil hectares, saindo de 136 mil hectares em 2015 para 208 mil hectares em 2021. E, no mesmo período, a produção nacional saltou de 1 milhão de toneladas para 1 milhão e 485 mil toneladas. O valor da produção também cresceu nos últimos anos. Só no estado do Pará, o açaí movimentou, em 2021, mais de 5 bilhões de reais, negócio que atrai pequenos, médios e grandes produtores
Estabilidade financeira ao produtor
O agricultor Paulo Renê Alves da Silva (foto à esquerda), de Marabá, na região Sudeste Paraense, planta açaí desde 2012 e, atualmente, tem 15 hectares na propriedade com as cultivares da Embrapa BRS Pará e BRS Pai d’Égua. “O açaí traz estabilidade financeira para os pequenos agricultores porque é uma cultura perene, de alto consumo e mercado garantido”, afirma o agricultor.
O maior desafio de Silva foi a falta de conhecimento em torno do manejo do cultivo no início da atividade. Com a consolidação do sistema de produção, ele vem ampliando sua área ano a ano com a BRS Pai d’Égua. “É um bom negócio para o pequeno produtor sim, é um produto que o paraense sempre vai consumir”, acredita.
Semente genética de qualidade é um dos quesitos fundamentais para uma boa produtividade, segundo o agricultor Cid Ornela, de Capitão Poço, região Nordeste Paraense. Com mais de 100 hectares de açaizeiro cultivados em terra firme, ele destaca que o trabalho de melhoramento genético desenvolvido pela Embrapa já gerou materiais de qualidade superior, como a BRS Pai d’Égua.
O agricultor, que é técnico em agropecuária há 40 anos, planta açaí há cerca de 15 anos e amplia sua produção anualmente. Entre os principais desafios da atividade, Ornela destaca que é preciso conhecer melhor a demanda nutricional do açaizeiro. “Precisamos entender com maior precisão quais elementos o açaí extrai do solo e em qual quantidade”, observa.
Para ele, a viabilidade econômica da atividade ao longo do tempo só será garantida com o aumento de produtividade. “Os custos da cultura são elevados, o produtor precisa produzir 40% da produção anual no primeiro semestre, período de entressafra quando o preço do fruto aumenta, e 60% no segundo semestre, para manter um preço médio viável. O mercado é imenso, mas é preciso investir em manejo e produtividade”, acrescenta.
O efeito positivo sobre a geração de renda nas propriedades agrícolas é também um dos resultados da adoção da tecnologia BRS Pará, de acordo com o estudo de Avaliação de Impacto. “Vimos que a adoção da cultivar proporciona benefícios em relação aos indicadores de segurança e estabilidade decorrentes do aumento da produtividade e também da grande demanda pelo produto e do preço praticado no mercado”, enfatiza Aldecy Moraes.
A avaliação mostrou que o benefício econômico da pesquisa para as regiões analisadas foi de, aproximadamente, 201 milhões de reais, decorrentes principalmente da estabilidade do preço do produto e da elevação da área de adoção com a solução tecnológica.
Melhoramento genético para o cultivo em terra firme
A Embrapa Amazônia Oriental trabalha com o melhoramento genético do açaizeiro desde a década de 1990 para ampliar a produção dessa palmeira nativa das áreas de várzea. A trajetória da pesquisa resultou nas duas únicas cultivares do mundo recomendadas para terra firme. “Trata-se de uma contribuição muito relevante da pesquisa para a produção de açaí no Brasil. Nos últimos anos, a demanda pelo fruto cresceu num ritmo muito mais acelerado que a oferta. Então, migrar para terra firme foi uma das soluções encontradas pela pesquisa”, esclarece o pesquisador João Tomé de Farias Neto, do mesmo centro de pesquisa.
O processo de domesticação da espécie envolveu coletas de plantas em diferentes regiões do Pará, estabelecimento de áreas experimentais, cruzamentos e sucessivos ciclos de safras para seleção das melhores plantas. A BRS Pará, lançada em 2005, foi a primeira cultivar de açaizeiro de terra firme do Brasil, desenvolvida para características como porte mais baixo da planta, produção precoce de frutos, maior produtividade e rendimento de polpa.
O aprimoramento e o avanço do conhecimento em torno dessa palmeira fizeram com que a pesquisa desse mais um passo no processo de domesticação e em 2019 foi lançada a BRS Pai d’Égua, cultivar de açaí irrigado para terra firme. Uma das principais características é a distribuição bem equilibrada da produção anual. Com irrigação e manejo adequado, a cultivar produz 40% no período da entressafra (de janeiro a junho) e 60% na safra (de julho a dezembro). Além disso, a cultivar apresenta frutos ainda menores que a antecessora com maior rendimento de polpa, em torno de 30%, em relação aos frutos atualmente utilizados na agroindústria.
Alternativa para áreas degradadas
Mesmo com o avanço da produção em terra firme, a maior oferta de frutos ao mercado — em torno de 90% — ainda vem das áreas manejadas de várzea. Os riscos ambientais sobre esse ecossistema provocados pelo aumento da demanda de mercado preocupam especialistas na Amazônia. Para o pesquisador Alfredo Homma, também da Embrapa Amazônia Oriental, a ampliação dessa produção deve aproveitar áreas já abertas ou degradadas. “A várzea é um ecossistema frágil e a expansão da produção deve migrar para a terra firme”, afirma Homma.
O estudo de avaliação de impacto da BRS Pará mostrou efeitos positivos na qualidade do solo e conservação da biodiversidade em função da adoção da cultivar. Segundo agrônomo Enilson Solano Albuquerque Silva, da área de Transferência de Tecnologia da Embrapa Amazônia Oriental, um dos autores do estudo, isso decorre pela incorporação de áreas antropizadas de terra firme ao sistema produtivo, o que resulta na redução do processo de erosão com a implantação de cultivo perene, na recuperação da fertilidade do solo e no aumento de matéria orgânica e da fauna silvestre nos cultivos que, muitas vezes, são associados a outras culturas ou em sistemas agroflorestais.
A área da família do agricultor Márcio Hiramizu, em Tomé-Açu, na região Nordeste Paraense, é uma prova de como o cultivo do açaizeiro pode ser integrado a outras culturas e atividades. O plantio de açaí iniciou em 1996 ainda com o pai, Shigeru Hiramizu, imigrante japonês. No local, além do cultivo isolado, há o cultivo integrado a outras culturas frutíferas e florestais, em sistemas agroflorestais.
Nos 55 hectares de açaizeiro, ele cultiva a BRS Pará e já iniciou a renovação do plantio com a BRS Pai d’Égua. “O grande diferencial é a produção na entressafra quando o preço do fruto é mais atrativo ao produtor”, conta. Hiramizu relata, ainda, que ele e o pai quase desistiram do plantio de açaí. “Antes de o açaí ser famoso no mercado, nós quase derrubamos todas as plantas para vender o palmito a um comprador de fora do estado, mas logo o preço do fruto começou a subir e desistimos”, relembra o agricultor.
Atualmente, a propriedade dele é também utilizada como área experimental para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à polinização do açaizeiro. Ele mantém a vegetação no entorno do plantio e introduziu caixas de abelhas nas áreas de produção para melhorar a polinização da palmeira.
Da semente à pós-colheita
A Embrapa abriu inscrições para a segunda edição do curso on-line “Manejo da cultura do açaí em terra firme: da semente à pós-colheita e ao processamento”. Técnicos, produtores, estudantes e profissionais interessados no tema podem se inscrever gratuitamente na plataforma e-Campo, a vitrine de capacitações on-line da Embrapa.
O curso tem fluxo contínuo e seis módulos de conteúdo, que abordam o preparo da área, a implantação e o manejo do açaizal, utilizando a cultivar BRS Pai d’Égua desenvolvida pela Embrapa. Nutrição e adubação, irrigação, polinização, controle de insetos-praga, colheita, pós-colheita e processamento do açaí também são abordados.
A segunda edição da capacitação traz novidades: a vitrine virtual de uma área de plantio, o módulo específico sobre a polinização do açaizeiro, além de conteúdos interativos e vídeos mostrando as etapas do cultivo.
Alternativa para diversificar produção
No Amazonas, o cultivo do BRS Pará tem sido uma alternativa de diversificação da produção, recuperação de áreas e composição de sistemas integrados com outras culturas. A área de açaí BRS Pará plantado no Amazonas é, atualmente, estimada em 330 hectares, segundo o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, sociólogo Lindomar Silva, que integra a equipe de avaliação de impactos de tecnologias da Empresa. De acordo com o sociólogo, “o crescimento do plantio do açaí com a tecnologia do BRS Pará indica que os agricultores do Amazonas compreenderam a importância do fruto, principalmente para a indústria de alimentos e bebidas”.
Silva destaca que a adoção do BRS Pará no Amazonas, como mostra o estudo, gerou impactos sociais positivos e possibilitou ganhos adicionais no que tange à dimensão de impactos ecológicos nas propriedades. O estudo apresenta, ainda, resultados evidentes em melhoria de renda para os produtores. “Esses resultados ajudam a explicar os motivos da expansão do açaí com uso da tecnologia BRS Pará no estado do Amazonas”, afirma.
Giuliano Quintino dos Santos é um dos produtores que contribuíram para a expansão do cultivo de açaí em terra firme no estado. Paranaense, chegou ao Amazonas em 2003, quando então seu tio Guinter estava iniciando o cultivo de açaí no município de Humaitá, região sul do estado, a partir de sementes coletadas de plantas selecionadas na região.
O produtor conta que seu tio teve a ideia de inserir o açaí do Pará, da espécie Euterpe oleracea, como uma alternativa para produzir na entressafra do açaí nativo do Amazonas, da espécie Euterpe precatória. Assim, adquiriu sementes da BRS Pará em 2006 e fez o plantio inicial de 10 hectares. Mais tarde, em 2010, ampliou o cultivo do BRS Pará. Ampliou também a área com variedades do açaí nativo da espécie E.precatória. Em 2021, acrescentou mais um hectare e meio para experimentar a cultivar BRS Pai d’Égua. “Hoje, estamos com 80 hectares de açaí plantado”, afirma. O resultado é que a propriedade tem açaí o ano todo.
Com o investimento em conhecimento, tecnologia, e dedicação ao cultivo, alcançou o crescimento da produção de ambas as espécies e conseguiu atender diferentes mercados. Seu cultivo no município de Humaitá cresceu tanto que, além de vender para Rondônia e Acre, com o passar do tempo atingiu também outros estados das Regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. Aproveitando a popularidade do açaí, está levando o produto para os Estados Unidos.
Fonte: Agência de Notícias Embrapa