Caça às lagartas

O agricultor Marco Eligius Huijsmans, de 27 anos, e seu pai, o holandês Cornelis Petrus Eligius Huijsmans, de 61, trabalharam para repetir na safra em curso o feito obtido na temporada passada, quando, pela primeira vez em quase uma década, conseguiram conter o surto de lagartas na lavoura de soja com apenas uma ou, no máximo, duas aplicações de inseticidas químicos por talhão – uma façanha para a região de Maracaju (MS),onde raramente um sojicultor consegue controlar a praga com menos de cinco aplicações.
O resultado foi alcançado em 1,5 mil dos 8 mil hectares cultivados na Fazenda Ponto Alto, distante 60 quilômetros da sede do município, detentor da maior área plantada com a oleaginosa no estado, com aproximadamente 260 mil hectares.
Nestes 19% de lavoura, pai e filho apostaram no controle biológico com Trichogramma pretiosum, vespa predadora de ovos de diferentes espécies de lagartas que atacam a soja. Na área de controle biológico conjugado com o químico, a infestação não passou de quatro lagartas por metro quadrado. Já no restante da lavoura, que se manteve exclusivamente sob controle químico, a população ultrapassou 10 lagartas por m2, considerado patamar inicial para dano econômico na propriedade. “Onde trabalhamos com a vespinha não tivemos surto; a população de lagartas não provocou dano econômico e reduzi bastante o uso de produtos químicos. Na atual safra, já ampliei a área de controle biológico para 1,7 mil hectares.
A meta para os próximos anos é levar o tratamento para até 50% de toda a lavoura”, diz Marco, admitindo, no entanto, que a estratégia elevou levemente o seu custo de produção, hoje na casa de 36 sacas/ha. “Mas o que é aumentar o desembolso em menos de uma saca perto dos resultados que certamente teremos no futuro?”. Marco se refere à possibilidade de ampliar a produtividade na fazenda (superior a 60 sacas por hectare, quase 20% acima da média nacional, que gira em torno de 50) a partir da recomposição do equilíbrio microbiológico do ambiente produtivo, afetado pelo uso excessivo e descontrolado de agroquímicos.
Pesquisas comprovam: os produtos químicos agem rapidamente, controlando infestações com bastante eficiência. No entanto, podem eliminar outros seres vivos, muitos deles inimigos naturais das pragas que se pretende combater. Paralelamente, seu uso continuado termina por gerar indivíduos resistentes a seus efeitos. Na medida em que o produto reduz sua eficiência, o agricultor tende a elevar as doses e número de aplicações, aumentando seu custo de produção e deteriorando o ambiente produtivo. A multiplicação de pragas resistentes é, dentro deste quadro, praticamente inevitável.
De olho em uma alternativa ara conter esta bola de neve, o engenheiro agrônomo Loester Almeida, de 27 anos, resolveu apostar no controle biológico, embora tenha tido muitas dificuldades inicialmente: procurou multinacionais e empresas brasileiras que lhe fecharam as portas, não acreditando nas possibilidades de mercado. Pagou o preço do pioneirismo na região de Maracaju, mas perseverou até que a BUG Agentes Biológicos, sediada em Piracicaba (SP), o aceitasse como seu representante para a comercialização de vespas.
Aposta certeira
Um dos maiores incentivadores de Loester Almeida foi Cornelis Huijsmans, da Ponto Alto. Naturalmente, acabou sendo um de seus primeiros clientes. Entusiasta das alternativas naturais no campo desde a infância vivida na fazenda de leite de 20 hectares, de seu pai, na Holanda, o produtor chegou ao Brasil em 1980, aos 25 anos, em busca de maiores extensões de terras para lavoura. Acabou fincando raiz em Maracaju, atraído por vários compatriotas que estavam se estabelecendo na região. Começou arrendando terras e hoje soma, com dois filhos, mais de 11 mil hectares próprios, cultivados com soja e milho no município e nos arredores da capital, Campo Grande. No entanto, mesmo consciente da agonia dos químicos enquanto única opção para o controle de pragas nas lavouras,
Cornelis só conseguiu investir nos biológicos, em escala, a partir de 2015, no plantio da safra de verão. “Havia disponibilidade de produtos no mercado, mas não existia ninguém que vestisse a camisa e prestasse ste serviço na região. Não basta apenas ter alguém que venda. É preciso acompanhamento e assistência técnica quase integral. Os agentes biológicos são frágeis e necessitam de agilidade no transporte, cuidados no acondicionamento e sintonia para sua liberação na lavoura”, explica.
Como já conhecia Loester Almeida de alguns anos (foi colega de seu filho, Marco, na faculdade de agronomia em Dourados), Cornélius confiou nele. Loester, por sua vez, já havia se unido a um sócio e criado uma empresa especializada em controle biológico – a Agro Soluções – em Maracaju. Já na primeira safra (2015/16), o agrônomo fechou com sete produtores. Hoje, passa mais tempo nas fazendas do que na cidade, avaliando as lavouras e checando as armadilhas montadas para mensurar a população de mariposas. “Este monitoramento me dá a dimensão do volume de lagartas que estas mariposas podem gerar a partir da postura. Assim, consigo calcular a quantidade e o momento certo de liberação dos ovos. As vespinhas que nascem serão as predadoras dos ovos das mariposas, reduzindo a população das futuras lagartas. A liberação tem de ser proporcional. Caso isso não ocorra, vão sobrar lagartas. A vespa funciona apenas para predar o ovo da mariposa. Depois que aparece a lagarta, só controle químico funciona”, explica.
No início da safra passada, o agrônomo e seu sócio começaram a trabalhar na liberação dos agentes biológicos utilizando duas motos com equipamento distribuidor adaptado. Só na Ponto Alto, foram 200 km percorridos. “Atualmente, a liberação na fazenda é feita via aérea; cada 1,7 grama de ovos gera perto de 120 mil indivíduos vivos”, conta. Pela prestação de serviço, Almeida cobra R$ 38 por hectare. “A nossa margem é muito pequena, mas o momento é de mostrar resultados; depois ajustamos as contas”, avalia. Além do combate a lagartas, a Fazenda Ponto Alto iniciará na segunda safra (de milho, já em 2017) o manejo integrado (químico e biológico) contra percevejos. Para isso, Loester pretende usar a Telenomus podisi, uma vespa considerada bastante funcional (até 80% de eficiência) no combate aos percevejos que atacam a soja e o milho.
Guerra aos nematoides
Outro produtor da região de Maracaju, Marius Johannes Matter, descendente de suíços, usou, na safra passada, predadores naturais para combater nematoides em 98% dos 4.5 mil hectares das quatro fazendas do grupo Matter: Irerê, Água Rica, São João do Monte Alto e Bom Martim, todas no município de Maracaju. “Há três anos, as reboleiras e ondulações extremas na lavoura de soja me incomodavam bastante. Sabia que as chances de serem provocadas por nematoides eram grandes. Não havia mais nada para levar a culpa”, conta Marius, gerente-geral do grupo.
A confirmação veio na safra passada, quando Loester Almeida fez coleta de solo e pediu análise em um laboratório em Chapadão do Sul, nordeste do estado. “O limite populacional para que nematoides não provoquem danos econômicos na lavoura é de 1,6 mil indivíduos por cm3 de terra. Nas fazendas Matter, encontramos no ano passado talhões com média de até 22 mil indivíduos /cm3”, lembra o agrônomo, otimista, assim como Marius, com a perspectiva de bons resultados nesta safra – numa propriedade vizinha, a infestação média caiu de 10,5 mil para 3,8 mil indivíduos/cm3 de uma safra para outra.
O combate aos nematoides é feito com dois produtos distribuídos pela empresa brasileira Ballagro, com sede em Bom Jesus dos Perdões (SP): Nemat (nematicida biológico) e Ecotrich (fungicida microbiológico), usados conjuntamente. O primeiro baseia-se no fungo Paecilomyces lilacinus, que coloniza ovos de nematoides, não permitindo a reprodução da praga. O segundo, no fungo Trichoderma harzianum, que se alimenta de outros fungos patogênicos que podem atacar as plantas. “Com o Ecotrich, os nematoides que eventualmente escaparem do Nemat podem até raspar a raiz da soja, mas não haverá abertura para a entrada de fungos e consequentes doenças”, explica Loester.
Quando indagado sobre a capacidade dos agentes biológicos controlarem por si só as infestações de pragas na lavoura, Marius se mostra cauteloso. “Em alguns casos, podem até resolver sozinhos, mas nas nossas fazendas não abro mão do uso conjugado com químicos. Como ainda estamos aprendendo a usar estes agentes, não posso me garantir só com biológicos e correr o risco de ter de sair, na última hora, em busca de pesticidas industriais. Pelo menos nos próximos dois anos continuarei a comprar químicos”, afirma.
Crescimento asiático
Insignificante até cinco anos atrás, o mercado de biodefensivos é a bola da vez, na opinião do presidente da ABCBio – Associação Brasileira de Empresas de Controle Biológico, Pedro Faria Júnior. “No início da década, representava menos de 0,5% do faturamento do setor. Hoje, chega à casa de 2% de um volume de negócios que, em 2015, ficou em R$ 9,6 bilhões”. O mercado de defensivos biológicos cresce no Brasil e no mundo em “ritmo asiático”, segundo ele, evoluindo, em média, 15% ao ano. “Nossa previsão é de que atinja 10% de todo o mercado de defensivos até 2030. Alguns, mais otimistas, acreditam que esta fatia seja conquistada até 2020”, avalia. A entidade deu suporte organizacional para o Brasil sediar o Biocontrol Latam 2016 – Conference & Exibition, evento internacional realizado de 15 a 17 de novembro em Campinas (SP).
Conforme Pedro Faria Júnior, o número de agricultores brasileiros interessados em alternativas biológicas para suas lavouras vem crescendo aceleradamente. Até bem pouco tempo território de pequenas empresas nacionais, o mercado de defensivos biológicos passou a ser “a menina dos olhos” de grandes corporações internacionais. “Hoje, temos 24 associadas e praticamente todas as multinacionais já estão no time, apesar do portfólio das gigantes ser ainda bem limitado neste segmento”, afirmou o dirigente.
Segundo especialistas do setor, a maior carência é de herbicidas. “Mas temos material para combater lagartas, nematoides, mofo branco e ácaros em geral. Para o controle de doenças foliares, teremos novidades em breve. A Basf e a Bayer, por exemplo, estão em fase final de desenvolvimento de produtos com esta finalidade”, diz ele, satisfeito com os avanços, mas ainda preocupado com os gargalos. Entre eles, o presidente da ABCBio cita as dificuldades de formação de mão de obra técnica para assessorar o agricultor no campo, ausência quase total de extensão rural neste segmento, marketing limitado e entraves na logística, prejudicando principalmente o transporte de produtos que exigem refrigeração. “A atual legislação enquadra nossa carga como produto contaminante. Isso é uma aberração”, dispara.
A expansão agrobiológica também gerou um inimigo ‘interno’: a clonagem e a produção clandestina de organismos de controle. “Não temos ferramentas para mensurar isso, mas estimo que algo em torno de 30% dos produtos biológicos usados no campo atualmente são ilegais. Sei de fazendas grandes, com até 40 mil hectares de lavoura, usando fermentadores próprios”, revela Pedro.
A bióloga Rose Gomes Monnerat, doutora em patologia de insetos e pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, confirma a clandestinidade na produção e pede atuação dos órgãos fiscalizadores e conscientização do agricultor. “Os produtos biológicos ilegais não são registrados e, por isso, não oferecem garantia de qualidade. O problema é sério. Ouço muitos relatos. Até na Internet já circula receita de como produzir o Bacillus thuringiensis caseiro”, denuncia.
Apesar do problema, Rose considera que o mercado de organismos de controle biológico no Brasil está em processo de profissionalização. “Por isso, é necessário que o agricultor se adapte a esta nova realidade. O número de produtos agrobiológicos registrados no país pulou de 26 em 2011 para 108 em 2016. Já são 132 unidades de produção de empresas nacionais e multinacionais em território nacional”, diz. Muitas delas, como a brasileira BUG Agentes Biológicos, vão muito bem, obrigado. De acordo com seu diretor comercial, Vinícius Lourenço Lopes, a empresa vem dobrando o faturamento a cada ano, com previsão de manter este ritmo de crescimento pelo menos durante as próximas cinco safras.
A produção de ovos de Trichogramma galloi para o controle de lagartas na cana-de-açúcar representa 60% dos negócios da empresa. “No setor sucroenergético brasileiro, o controle biológico de lepidópteras já é uma realidade. Temos 40% deste mercado e 12% de toda a oferta geral de defensivos”, garante Vinícius.
Divisor de águas
O diretor comercial da BUG considera o surto de Helicoverpa armigera na safra 2012/13 como “o divisor de águas” que impulsionou o mercado de biológicos no Brasil. Segundo ele, os bons resultados obtidos no combate às pragas e o consequente equilíbrio orgânico do meio produtivo geraram confiança para que agricultores passassem a utilizar organismos vivos como defensivos agrícolas, muitas vezes em detrimento dos agroquímicos. “O agente biológico não precisa do produto químico para cumprir o seu papel. Em algumas situações, pode haver a necessidade de conciliar os dois tratamentos para potencializar o controle, mas isso tem de ser avaliado tecnicamente”, defende Vinícius, referindo-se, no caso, às recomendações recorrentes de uso de produtos biológicos em MIP – Manejo Integrado de Pragas, em conjunto com os pesticidas convencionais.
O diretor da BUG prefere desconsiderar este preceito como regra absoluta. O presidente da FMC na América Latina, Antônio Carlos Zem, é, provavelmente, o mais empolgado dos dirigentes das gigantes do mercado internacional. Pelo menos é o que deixa transparecer em eventos e palestras Brasil afora. “Sou um apaixonado pelo assunto. Fiquei cinco anos na orelha da empresa até ela resolver definitivamente apostar no segmento”, revela o executivo para a reportagem da Agro DBO. Segundo ele, a FMC vem investindo aproximadamente US$ 1,5 milhão/ano em pesquisas para geração de novos produtos biológicos.
Atualmente, o destaque do seu portfólio é o Dipel, inseticida biológico a base de Bacillus thuringiensis. “Este produto é utilizado hoje em quase seis milhões de hectares de cultivos no Brasil, incluindo soja, algodão, citros e hortaliças”, garante. Sem dar mais pistas, ele assegura que, até o ano 2020, a empresa lançará no mercado brasileiro mais quatro produtos à base de microrganismos para o controle de pragas nas lavouras.
O presidente da FMC credita boa parte desta ofensiva à parceria firmada em 2014 com a dinamarquesa Cristian Hansen (Chr. Hansen): “Eles dominam a microbiologia, a tecnologia de fermentação e possuem capacidade de produção em escala. Nós entramos com nossa experiência em formulação, pesquisa e desenvolvimento no campo, registro e comercialização de produtos, assim como o trânsito para acesso ao mercado global”. Embora defenda a utilização dos biológicos como ferramenta de MIP (em harmonia com os agroquímicos), ele é reticente quanto ao futuro dos defensivos convencionais: “A química tradicional está exaurida. O desenvolvimento de novas moléculas é cada vez mais complicado. Há inúmeros filtros dificultando este processo. Além disso, muitos produtos estão sendo proibidos em diversos países”.
Mercado em ebulição
De maneira geral, as grandes empresas de defensivos enxergaram no mercado de produtos biológicos uma oportunidade de oxigenação financeira, um suporte, de certa forma, contra a desconfiança crescente dos produtores rurais quanto à eficácia dos agroquímicos no combate às pragas, cada vez mais resistentes. “A progressiva demanda por tratamentos alternativos abriu um ótimo mercado para nós”, admite o gerente de produtos e mercados da Arysta, Sérgio Chidi. “Até o surto de H. armigera, o máximo de convivência era com a tecnologia Bt e baculovírus. Hoje, temos agentes para controle de nematoides, de mosca branca e até para tratamento de sementes”, compara. A Arysta dispõe da linha BioSolution, que inclui defensivos, fertilizantes e bioativadores.
Segundo o executivo da multinacional japonesa, este grupo recebe 50% dos investimentos atuais da empresa e já representa perto de 20% de seu faturamento no Brasil. Chidi defende o uso conjugado dos defensivos, preferencialmente dentro do conceito de MIP. Como vantagens do biocontrole, ele é taxativo: “É um procedimento menos poluente, menos tóxico e ainda sem relatos de resistência”. Quanto aos pontos negativos, cita quatro: “Exigência de monitoramento criterioso, maior custo (em princípio), efeitos não imediatos e limitação para utilização em lavouras de grande extensão. A BUG, a Ballagro, a FMC e a Arysta integram a ABCBio. Na lista de associadas estão outras gigantes do agronegócio mundial, dentre elas a Basf, Bayer, Ihara, Monsanto, Koppert, Sumitomo e UPL.
Por Ariosto Mesquita
Fonte: Revista DBO