A alta da inflação no mundo, combinada com uma desaceleração econômica em 2023, pode reverberar no agro brasileiro, causando quedas dos preços das principais commodities do setor
Prever recessões e, principalmente, sua duração e dimensão é um exercício bastante difícil. Em geral, um quadro recessivo é resultado de choques, muitas vezes inesperados, ou a combinação non grata de uma série de fatores conjunturais e estruturais em momentos muito específicos. Mas, quando se avaliam os atuais indicadores globais de atividade econômica, tudo leva a crer que estamos na iminência de um desses momentos e isso pode começar a afetar o agro brasileiro.
Atravessamos em 2020 e 2021 uma das maiores crises sanitárias da humanidade, que afetou economias e cadeias de produção globais. Já no início de 2022, teve início a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que veio agravar questões econômicas ainda não resolvidas do pós-pandemia e impactou significativamente os mercados de commodities.
A combinação desses dois choques principais com uma conjuntura que já apontava para baixos estoques de comodities, ações ainda incompletas de transição energética e o arrefecimento no crescimento das grandes economias do mundo culminaram em uma tempestade quase perfeita, cujos efeitos estão mais claros no momento presente.
As políticas anticíclicas, adotadas durante e após a pandemia, que minimizaram os efeitos econômicos dos lockdowns, também incentivaram a demanda em um momento em que a oferta não teve capacidade de rápida reação — em parte por causa da própria supressão de investimentos em função da pandemia. Aliado a isso, problemas climáticos em importantes regiões produtoras de alimentos do globo e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia — países importantes produtores de alimentos, insumos e energia — causaram restrições de oferta.
Vivenciamos hoje um patamar recorde de preços de produtos agroalimentares e uma forte alta no mercado de insumos em geral, sejam energéticos, sejam minerais (como no caso dos fertilizantes) ou agropecuários, que são resultado desses desequilíbrios nas relações de oferta, demanda e estoques. Populações mais pobres e em risco de segurança alimentar vêm sendo severamente afetadas (leia mais aqui). Economias vêm sendo impactadas pela alta inflação globalmente (que deve chegar à média de 6,6% nas economias avançadas e 9,5% nas economias em desenvolvimento neste ano, segundo estima o Fundo Monetário Internacional, o FMI) e, com isso, os bancos centrais vêm elevando juros, o que gera um reflexo negativo sobre o nível de atividade.
No caso dos Estados Unidos, o índice de preços ao consumidor acumulou 9,1% em 12 meses até junho, a maior taxa em mais de 40 anos, o que tem feito o Federal Reserve (Fed) elevar os juros significativamente. Ao mesmo tempo, analistas preveem que a divulgação do PIB americano do segundo trimestre indicará a entrada do país em uma recessão técnica. Os países europeus vivem uma pressão ainda maior, dado que dependem do suprimento de energia e alimentos de países envolvidos com a guerra. Atualmente ainda enfrentam ondas de calor, que vêm reduzindo as previsões de safra e pressionando ainda mais os custos e a produção de energia. Já a China, maior parceiro comercial do agro brasileiro, vem indicando um crescimento cada vez mais comedido, como consequência de novos lockdowns.
O Brasil também passa por um momento de alta inflação, juros elevados e baixo crescimento. Como agravante, ainda temos a questão fiscal, pressionada em ano eleitoral. E o cenário internacional de recessão certamente trará impactos ao setor mais internacionalizado da economia brasileira: o agronegócio. De maio a junho de 2022, a maioria dos mercados agropecuários já começou a apresentar alguma redução de preços, baseada principalmente em melhores notícias com relação à oferta global, mas também refletindo os sinais de desaceleração da demanda.
A grande volatilidade dos mercados tem dificultado previsões, mas para 2023 já se espera uma melhor relação de oferta combinada a uma demanda desaquecida, o que resultará na queda de preços relativos das commodities agrícolas. O agravante é que os custos da produção agropecuária seguem elevados.
Portanto, o agro tende a pagar o patamar elevado no preço de insumos na atual conjuntura e vender em um momento de depreciação do produto, o que pode afetar significativamente as margens dos produtores. Além disso, alguns elos das cadeias de produção do agro já vinham enfrentando uma margem mais apertada, dada a incapacidade de repassar toda a alta de custos ao consumidor final — o que já se reflete na queda do PIB do agronegócio em 0,8% no primeiro trimestre de 2022, avaliada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). É esse o cenário desafiador que se desenha para o próximo ano.
Fonte: Insper