O Brasil está entre os países que mais preservam seus recursos naturais no mundo ao mesmo tempo em que aumenta sua produtividade no campo. Esse e outros fatos foram apontados pelo pesquisador Marcelo Augusto Boechat Morandi, mestre e doutor em Agronomia, atual chefe geral da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Meio Ambiente.
Trabalhando com pesquisa e desenvolvimento na interface agricultura e meio ambiente, Morandi tem experiência na área de Fitopatologia, com atuação em temas como epidemiologia, controle biológico, métodos biocompatíveis no controle de doenças de plantas e métricas de sustentabilidade.
Nesta semana, a Jotabasso Entrevista o especialista para falar, não apenas sobre a importância de conciliar as demandas dos sistemas produtivos com as necessidades de conservação dos recursos naturais do país, mas também que isso é possível e já tem sido feito de maneira destacada pelo produtor brasileiro.
JB – O Brasil sempre esteve no meio da polêmica entre produzir mais e crescer, e preservar seus recursos naturais. Como é possível demonstrar que as duas questões podem caminhar em sintonia?
O Brasil é um país que detém uma megadiversidade biológica, uma imensa base de recursos naturais que precisa ser utilizada e manejada de forma sustentável. Então, produzir e preservar é não só possível, como necessário.
Até a década de 1970, por falta de tecnologia adaptada à produção tropical, parte considerável do abastecimento interno de alimentos dependia das importações. Os cerrados eram áreas marginais na produção agrícola. A migração rural-urbana se intensificava.
Nas últimas cinco décadas, o Brasil passou de importador de alimentos para um dos mais importantes produtores e exportadores mundiais, alimentando aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas no mundo. A disponibilidade de recursos naturais, associada a políticas públicas, a competências técnico-científicas e ao empreendedorismo dos agricultores brasileiros foram fundamentais para esse desenvolvimento agrícola do País.
Nesse período, tivemos enormes ganhos de produtividade e evitamos maior desmatamento. De 1991 a 2017, a produção de grãos e oleaginosas subiu 312%, enquanto a área plantada cresceu apenas 61%. Isso se deu graças ao uso intensivo de tecnologia.
Quando se considera o período entre 1975 e 2015, a tecnologia é responsável por 59% do crescimento do valor bruto da produção, enquanto terra e trabalho explicam 25% e 16%, respectivamente, do crescimento da produção. Especificamente no período entre 1995/1996 e 2005/2006, a importância da tecnologia é ainda maior, o que explica 68% do aumento do valor da produção. Terra e trabalho explicam respectivamente 9% e 23%.
Esse desempenho do meio rural contribuiu significativamente para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do país e trouxe benefícios que se estendem nos preços mais acessíveis aos consumidores, elevação da renda e a geração de empregos e impulsionaram a participação da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Portanto, produzir, crescer e preservar tem que ser uma relação ganha-ganha. Não precisamos desmatar mais para ampliar nossa produção. Há espaço no Brasil para ampliar a produção e a conservação. O Brasil tem tudo para ser o maior produtor mundial de alimentos em bases sustentáveis.
JB – É oneroso ao produtor rural preservar o meio ambiente ao mesmo tempo em que busca expandir sua produção? Como a conservação pode garantir a longevidade da agropecuária brasileira?
Os dados recentemente divulgados pelo projeto MapBiomas, uma rede brasileira de 15 instituições de pesquisa que mapeou todas as mudanças no uso da terra no Brasil desde 1985 até 2017, demonstrou que as propriedades privadas (cadastradas no Incra ou com Cadastro Ambiental Rural, o CAR) possuem quase 190 milhões de hectares de vegetação nativa, ou cerca de um terço do total do país.
Segundo nossa legislação, imóveis privados podem exercer produção em toda a sua extensão, exceto nas áreas de preservação permanente (APP), que protegem, especialmente, os cursos d’água e perfazem em média cerca de 10% da área da propriedade. Uma parcela da área que varia de 20% a 80%, dependendo do bioma, deve ser mantida com vegetação nativa na forma de reserva legal, sendo a produção limitada a atividades que não degradem ou avancem sobre a vegetação nativa.
Assim, é certo que essa imobilização de parte das propriedades traz um custo aparente ao produtor, se imaginarmos que a produção em área total, mantidas as mesmas produtividades pudesse ser real. Entretanto, como bem sabemos a manutenção das áreas de APP e das reservas legais são fundamentais para o bom desempenho da produção nas demais áreas das propriedades, garantindo disponibilidade de água, inimigos naturais, polinizadores e outros serviços ecossistêmicos.
Portanto, a conservação dessas áreas é fundamental para garantir a longevidade e a produtividade da nossa agricultura. Ganha o ambiente, o produtor e a sociedade como um todo.
JB – De que maneiras o agricultor, principalmente o de commodities, pode contribuir para a manutenção dos recursos naturais em sua área?
Respeitando os limites da natureza e entendendo o seu funcionamento. Na prática, adotando a melhor tecnologia disponível e respeitando a legislação que está aí exatamente para garantir a longevidade da produção.
Um exemplo que podemos tirar do projeto MapBiomas é o que ocorreu no estado de São Paulo. A área de cultivo agrícola dobrou desde 2000, crescendo essencialmente sobre as pastagens sem que o Estado diminuísse a produção pecuária. Com isso, a Mata Atlântica cresceu. São Paulo hoje tem mais floresta, mais agricultura e mais boi.
JB – Que exemplos a agricultura brasileira tem de práticas que buscam a conservação do meio ambiente?
O Brasil desenvolveu uma agricultura tropical avançada, baseada em ciência. Tudo isso apoiado em três grandes avanços: a capacidade de transformar solos ácidos em solos férteis, de tropicalizar a produção (culturas agrícolas e animais) e de desenvolver uma inédita plataforma de práticas sustentáveis.
O Brasil lidera nesse momento um grande esforço de geração e uso de tecnologias poupa-recursos, de baixa emissão de carbono, capaz de promover a expansão sustentável da produção agrícola. Como exemplos, podemos citar o sistema plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a recuperação e intensificação produtiva de pastos degradados, o aumento do uso de controle biológico de pragas nas lavouras, o uso e disposição adequados de resíduos da produção animal, entre outros.
Em termos de políticas públicas, exemplos como o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), o RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis) e os sistemas de certificação de produção Orgânica de alimentos, permitem tratar a sustentabilidade como negócio, aumentando a produção, a produtividade e a renda, agregando valor e fortalecendo a imagem do agronegócio.
Fonte: Jotabasso