Mercado de precificação de carbono traz oportunidades para o Brasil

Pesquisadores do Insper ouvem 17 especialistas para avaliar as perspectivas econômicas proporcionadas por ações de redução de emissões no campo

Por Tiago Cordeiro*

O Brasil ocupa uma posição crucial no combate aos efeitos das mudanças climáticas. Seja por sua extensão territorial, seja pela variedade de seus recursos naturais ou por abrigar 60% da Floresta Amazônica, a maior do mundo, o país é observado de perto pelo mundo inteiro. O setor agropecuário, em especial, vem sendo pressionado a melhorar sua contribuição para evitar o aquecimento global. Como a matriz energética brasileira é majoritariamente limpa, a mudança no uso da terra e a emissão da agropecuária respondem por 73% do total das emissões de gases causadores do efeito estufa. O desflorestamento da Amazônia, assim como do cerrado, agrava esse cenário.

Por outro lado, o impacto positivo que o setor pode proporcionar para as emissões nacionais representam uma oportunidade, que pode ser traduzida em ganhos econômicos com o mercado de precificação de carbono. Segundo uma estimativa do Banco Mundial, 42% dos créditos de carbono gerados entre 2015 e 2020 foram derivados de projetos florestais. E o Brasil prometeu, durante a COP-26, a conferência do clima realizada em novembro passado em Glasgow, na Escócia, reduzir em até 50% as emissões de gases estufa até 2030.

Foi para analisar esse cenário e projetar as expetativas da agricultura para acelerar a redução de emissões que quatro pesquisadores do Centro de Agronegócio Global do Insper publicaram recentemente o estudo “Brazilian Agriculture in a World of Carbon Pricing: Challenges and Opportunities”.

Os autores, Niels Soendergaard, Camila Dias de Sá, Lucas Martim de Lima Portilho e Claudia Cheron König, entrevistaram 17 especialistas, brasileiros e estrangeiros, para oferecer um panorama do potencial da agricultura brasileira de contribuir para os esforços globais de contenção das mudanças climáticas.

“O agro do Brasil tem um enorme potencial, tanto em mudanças nas práticas do setor quanto na redução dos desmatamentos e em ações de reflorestamento”, diz Soendergaard, graduado em estudos globais pela Roskilde Universitet, na Dinamarca, com metrado na mesma área na Lund University, na Suécia, e doutorando no Instituto de Relações Internacionais na Universidade de Brasília. “Ainda assim, há algum ceticismo no setor a respeito do mercado de precificação de carbono. Fala-se muito sobre o tema, especialmente entre os grandes players, mas ainda se faz pouco.”

Mercado em desenvolvimento

O pesquisador lembra que, antes de debater a precificação, o setor precisa cumprir todas as obrigações legais. “Ações desenvolvidas para cumprir a lei não são remuneradas. As que somam esforços, sim. E elas dependem de um investimento em novas tecnologias e novos processos. Os pioneiros nessas ações, em especial, tendem a se beneficiar no mercado de precificação de carbono”, afirma o pesquisador.

A COP-26 alcançou um acordo sobre o artigo 6º do Acordo de Paris, que trata dos instrumentos para a criação do mercado global de carbono, e levou o preço da tonelada de emissões contidas a disparar, ao menos na Europa. “Há uma tendência de os valores subirem em alguns mercados regionais, o que estimula a implementação de ações”, diz Soendergaard.

Os entrevistados pelos pesquisadores do Insper, em geral, apontam que o mais provável cenário é o de que existam, na prática, vários mercados de carbono, com variados graus de maturidade. Neste momento, o Brasil não está entre as nações mais avançadas nesse processo: o mercado de carbono não é regulamentado por aqui e depende de iniciativas voluntárias .

Com a operacionalização do artigo, o volume de emissões de certificados pode alcançar de 19 a 58 bilhões de dólares no Brasil, para todos os setores da economia, entre 2021 e 2030. Mas a participação do agronegócio nesse total depende de uma evolução mais rápida na mudança de práticas. O estudo dos pesquisadores do Insper aponta que a construção de uma infraestrutura de monitoramento de medidas visando à redução das emissões é um dos principais gargalos — afinal, o setor atua em territórios vastos, em cadeias que envolvem não só as empresas, como também seus fornecedores e os fornecedores dos fornecedores, e todos os processos precisam ser documentados a fim de gerar os créditos. “É um investimento pesado, que ainda não é completamente compensado pelo mercado de carbono”, diz Soendergaard.

Ações pontuais

Por outro lado, a pressão da sociedade e dos consumidores globais dos produtos agrícolas brasileiros pode contribuir para que os produtores e os demais integrantes da cadeia se movimentem com maior agilidade. E as iniciativas implementadas no contexto do mercado voluntário podem ser transpostas para o mercado regulado, se ele passar a existir.

Como avalia o pesquisador, “os países consumidores, os europeus em especial, não estão dispostos a consumir de empresas e produtores cuja imagem esteja vinculada a práticas que não contribuem para a mitigação das mudanças climáticas. E os players brasileiros sabem disso. As associações poderiam fornecer uma plataforma importante para conferir escala aos projetos de geração de créditos de carbono.

Entre as ações identificadas no estudo, ainda que muitas em estágio inicial, estão o desenvolvimento de formas de conter ou capturar a emissão de metano da parte dos animais, e da estratégia de integração de lavoura, pecuária e floresta nos mesmos territórios, uma técnica promissora, defendida pela Embrapa.

Atualmente, em 83% das terras dos produtores que integram atividades na mesma fazenda, o que se vê é a conciliação de agricultura e pecuária. Inserir florestas no conjunto poderia ampliar de forma acelerada a capacidade dos produtores de sequestrar carbono.

Recomendações

Com base nas entrevistas, os quatro pesquisadores concluem o artigo com recomendações não só para os players do setor, mas, principalmente, para gestores e produtores de políticas públicas. Entre elas, estão:

–> Acelerar a instalação de um mercado de precificação de carbono regulamentado, com métricas robustas e cobertura para todos os setores da economia.

–> Implementar taxação específica para os atores da cadeia de suprimentos que mais emitem gases poluentes e utilizam terras pouco produtivas.

–> O país deve assumir uma posição proativa em todos os níveis da agenda climática, de forma a localizar oportunidades no mercado internacional de projetos de mitigação de emissões.

–> O setor público pode se engajar de forma mais intensa no suporte técnico aos produtores rurais dispostos a rever processos, ajustar práticas e melhorar a capacidade de monitoramento.

–> Os produtores podem reforçar a estratégia de se unir em associações, de forma a aumentar a capacidade de investimento em tecnologias, incluindo a digitalização de dados produzidos pelo monitoramento das cadeias.

–> É fundamental investir em pesquisa e desenvolvimento, de forma a encontrar técnicas escaláveis de controle de emissões e melhoria do uso da terra.

–> Tomar cuidado com o risco de que as ações sejam focadas somente em grandes produtores que têm maior capacidade de arcar com custos de certificação. Definir modalidades mais inclusivas em relação à pequenos e médios produtores é importante.

Fonte: InsperAgroGlobal