Um sistema tributário eficiente é urgente no Brasil, mas uma reforma profunda gera o receio no setor sobre os reais impactos dessa mudança. É preciso maior engajamento do agro para compreender e participar desse processo
Há décadas se discute no Brasil a necessidade de uma reforma no sistema tributário nacional. Atualmente, é praticamente unânime a visão de que o modelo de tributação adotado no país é complexo e altamente disfuncional, gerando significativas distorções, altos custos administrativos e entraves a investimentos no setor produtivo.
O resultado é uma economia ineficiente, com dificuldade para crescer e gerar empregos — um alto preço pago há anos por todos os brasileiros. O atual governo tem tratado a pauta como prioridade na área econômica — “única bala de prata”, nas palavras da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. A atual legislatura do Congresso Nacional também tem demonstrado boa vontade nesse sentido. Estados e municípios parecem ter elevado a compreensão sobre o tema e hoje compõem maioria no sentido de apoiar uma reforma. No entanto, a redefinição de um sistema tributário nacional é um assunto de alta complexidade, que envolve diversos interesses, níveis governamentais, demandas setoriais e eleitorais.
Por essa sinalização, prevê-se, em linhas gerais, a adoção de um modelo que criaria um imposto sobre valor adicionado (IVA), único, que viria substituir duas contribuições em nível federal (PIS e Cofins) e três impostos (IPI, federal; ICMS, estadual; e ISS, municipal). Tal modelo, se adotado, simplificaria e aproximaria o sistema tributário brasileiro do que se utiliza (com sucesso) na maioria das regiões e países do mundo, incluindo União Europeia, Austrália, África do Sul, Chile, Japão e Canadá. O modelo de IVA, basicamente, cobre todo o processo e cadeia de produção, buscando evitar a cobrança acumulada de impostos em diferentes etapas e oferecendo maior transparência com um valor único cobrado ao final do processo — etapas intermediárias, como a compra de insumos para transformação, teria o valor do imposto dessa transação creditado do imposto cobrado em uma venda na etapa posterior, evitando assim um “efeito cascata”, ou seja, uma acumulação da cobrança de tributos ao longo de cadeias produtivas.
Como vantagens, além de afastar um efeito cumulativo, o sistema seria altamente simplificado (tanto em quantidade de tributos quanto em alíquotas), evitando distorções na economia e o atual e custoso quadro de grande volume de contestação judicial e administrativa de impostos. É o que se conhece por contencioso tributário, que no Brasil chega a atingir um valor equivalente a 75% do produto interno bruto, conforme estimativas. A complexidade do sistema brasileiro leva à dificuldade de aplicação, aumentando a litigiosidade, gerando insegurança, custos e afastando os investimentos de modo geral.
No entanto, justamente o imperativo simplificador das propostas de reforma até então apresentadas tem trazido temor ao âmbito do agronegócio brasileiro. Importantes entidades ligadas ao setor e produtores têm levantado 7 questões principais:
- Uniformidade na alíquota de imposto sobre o valor adicionado: nesse caso, agentes do setor geralmente destacam o caráter social e estratégico da produção agropecuária, e que um regime diferenciado seria importante para garantia do acesso a alimentos da população mais pobre;
- Tributação de produtos exportados: o setor preocupa-se com a perda de competitividade — vide casos como o da Argentina;
- Manutenção da carga tributária setorial: há o temor de que um deslocamento tributário inviabilize cadeias agropecuárias, gerando prejuízos sociais e econômicos;
- Pessoas físicas produtoras e o IVA (ou IBS): boa parte da produção agropecuária é realizada por pessoas físicas. A incidência de IVA sobre insumos ou serviços dentro de cadeias em que a produção é encabeçada por pessoas físicas poderia resultar em efeito cascata de cobrança (justamente o que o modelo de IVA busca evitar) ou aumento de burocracia e custos para micro e pequenos empreendedores individuais rurais;
- Tratamento tributário às cooperativas: o setor entende que não se fixa riqueza em cooperativas, mas sim nos cooperados, e a possibilidade de incidência de tributos sobre produtos de cooperativas poderia gerar complicações para esses arranjos produtivos;
- Manutenção da desoneração da cesta básica: agentes do setor temem dificuldade no acesso aos alimentos e menor demanda para as cadeias agroalimentares;
- Maior clareza para o ressarcimento dos créditos acumulados de imposto: há uma desconfiança com relação à velocidade no ressarcimento de créditos e falta de clareza quanto à operacionalização.
De modo geral, o setor, que atualmente recebe um tratamento diferenciado com relação a alíquotas de impostos, tanto sobre o que produz quanto para os insumos que consome, teme que a uniformização de alíquotas entre setores com um modelo do tipo IVA possa resultar em elevação da carga tributária — mesmo que sua adoção seja paulatina.
O que justifica o tratamento especial dado ao agro atualmente é o caráter estratégico e a demanda social pela produção de alimentos a baixo custo. E o setor sempre respondeu positivamente a esses incentivos, tendo crescido em produtividade (bem acima da média global) e na oferta de alimentos a baixo custo (os preços relativos de alimentos no Brasil têm evoluído abaixo do restante da economia nacional nas últimas décadas). Destaca-se também que o setor é altamente sensível a qualquer elevação de carga tributária, tendo em vista as margens apertadas que são características da produção de commodities agropecuárias.
No entanto, ao se avaliar as demandas destacadas do setor, percebe-se que há a necessidade de um maior esclarecimento, comunicação simplificada e debate sobre o funcionamento do modelo de IVA proposto em conjunto com agentes do agronegócio.
Primeiramente, destaca-se que as propostas até então conhecidas visam desonerar as cadeias produtivas exportadoras, que atualmente acabam sendo oneradas com resíduos tributários (PIS, Cofins, ICMS etc.) que acabam sendo realizados ao longo da cadeia — atualmente, não há transparência e dificulta-se a mensuração do total de tributos pagos sobre o preço final dos produtos.
Com relação às pessoas físicas, o processo de tributação não pretende ser aplicado apenas para pessoas jurídicas, mas ser uma opção tributária, utilizada por pessoas físicas ou jurídicas, podendo existir o processo de tributação e crédito dentro da cadeia mesmo para pessoas físicas. Além disso, um certo limite de receita de vendas provavelmente estaria fora da obrigação da cobrança de IVA.
No caso das cooperativas, a incidência sobre seus produtos seria provavelmente mais simples de ser compensada do que se ocorresse diretamente sobre os cooperados, tendo em vista que a maior organização da cooperativa possibilita creditar os custos tributários ao longo da cadeia — e, com isso, obter as compensações de créditos.
No que se refere a alíquotas de produtos, entende-se que a adoção de um modelo de IVA, com uma previsão de não diferenciação entre setores, visa justamente evitar a atual manipulação de impostos, que causa confusões e distorções no sistema de preços, sustenta artificialmente empresas pouco eficientes e prejudica o avanço da produtividade e o crescimento econômico (além de gerar complexidade e litígios). No entanto, percebe-se que há demanda para uma discussão mais aprofundada para o caso do agro, por se tratar de um setor socialmente sensível, tanto pela produção de alimentos quanto por ocupar grande parte da população de baixa renda do país. Pelas proposições em debate, espera-se um tratamento uniforme, mas com algum meio de compensação dos tributos pagos por famílias mais pobres.
Diversas economias do mundo que adotam um modelo de IVA dão um tratamento especial à produção agropecuária, geralmente focada no pequeno produtor — como ocorre na União Europeia, por exemplo. No entanto, essas diferenciações setoriais dentro do IVA podem causar distorções significativas e vêm sendo questionadas em muitos países que adotam tal modelo. Portanto, é preciso que se avaliem modelos em que há real eficiência na adoção de diferenças tributárias.
Por fim, é compreensível que o agronegócio busque um melhor tratamento das suas especificidades setoriais no âmbito da discussão da reforma tributária brasileira, com o fim de evitar uma oneração adicional. Entretanto, também há a necessidade de compreensão maior sobre os reais efeitos e o modelo de funcionamento do novo sistema proposto, buscando-se sempre o diálogo para a construção de uma proposta efetivamente eficiente ao país. É preciso também que se destaquem os ganhos que o agronegócio pode vir a ter com uma proposta aprovada: a maior eficiência tributária certamente fará com que o país cresça, e o agronegócio será parte desse processo.
As propostas em tramitação apresentam versões do IVA que seria adaptado ao contexto brasileiro, que é o caso do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) ou da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) — com a coexistência de ambos no caso do IVA Dual. Também se prevê a criação de um chamado imposto seletivo, que seria atribuído a produtos que causam algum efeito negativo social ou ambiental. Para informações detalhadas, recomenda-se a leitura das PECs em tramitação (45/2019 e 110/2019). O presente texto busca oferecer apenas uma visão simplificada e ampla.
Fonte: InsperAgroGlobal