Os países da ex-União Soviética terão um futuro agroexportador?

Com as estruturas do comércio internacional abaladas pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o agronegócio dos países da antiga URSS ganhou holofotes globais. Há grande potencial, mas também enormes desafios

Amanda Araújo Pinto, Niels Soendergaard e Leandro Gilio

Historicamente, países da Europa Oriental e da Ásia que fizeram parte da União Soviética (URSS), liderada pela Rússia, enfrentaram dificuldades em cobrir as demandas por alimentos de suas populações, o que, por sua vez, fomentou esforços para o desenvolvimento da produção agropecuária local ao longo do tempo.

Durante o passado comunista, a prioridade na região foi a produção industrial. Já no campo, os planos de coletivização falharam grosseiramente em mudar velhos e ineficientes padrões de produção. No entanto, após a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, houve mudanças significativas.

Alguns países pleitearam o acesso à União Europeia (UE) para poder usufruir dos subsídios da Política Agrícola Comum (PAC) e modernizar os seus setores agropecuários. Entre 2004 e 2007, 10 países da Europa Oriental foram integrados à União Europeia, dentre eles apenas três efetivamente membros da ex-URSS (a Estônia, a Letônia e a Lituânia). Com isso, os produtores desses países tiveram acesso livre ao enorme mercado consumidor de renda média e alta da Europa Ocidental, mas também tiveram que buscar um modelo de produção mais próximo da própria Europa Ocidental, acompanhado de maior rigor das normas sanitárias e fitossanitárias e regulações mais complexas.

No entanto, o que tem se destacado nos últimos anos é o crescimento da produção em países que não aderiram à UE, com destaque para os dois países que estão atualmente em conflito — Rússia e Ucrânia. Os demais países da região vêm apresentando crescimento mais tímido.

A produção ucraniana de trigo se elevou consistentemente em período mais recente, chegando a 33 milhões de toneladas em 2021. A produção russa, a maior da região, dobrou no período entre 2012 e 2021, atingindo 75 milhões de toneladas de trigo no último ano. Entre todas as ex-repúblicas soviéticas, a Ucrânia se destaca, não somente pela extensão das suas terras agricultáveis, mas também pela qualidade das suas terras pretas, além de liderar disparadamente a produção de milho e girassol na região, com produção de 41 milhões e 17 milhões de toneladas em 2021, respectivamente. No caso do girassol, a Rússia segue de perto, com 15,5 milhões de toneladas produzidas no mesmo ano.

Enquanto a produção de grãos aumentou ao longo das últimas décadas, a de proteína animal possui uma realidade mais complexa. A produção de carne bovina caiu em todos os países da região. Já no caso da produção de carne suína, verifica-se maior competitividade na região, com destaque para o grande crescimento da produção russa (277% entre 2005 e 2021). O mesmo crescimento significativo também se verificou na produção de carne de frango, com crescimento de 327% e 309% das produções russa e ucraniana, respectivamente.

O crescimento médio da produtividade nessa região também tem superado o dos seus vizinhos ocidentais e, com o consequente aumento de produção, eleva-se a importância dos países da região no mercado agroexportador global. Em 2021, a região correspondeu (em valores) a 33% do total de trigo exportado no mundo, 18% do milho e 70% do complexo girassol (semente, óleo e farelo), com relevante crescimento temporal nas três atividades.

No que se refere a carnes, é interessante observar o movimento no sentido da autossuficiência. A Rússia vem apresentando, desde 2008, queda significativa na importação total de carnes. Interessante frisar que o país já foi um dos principais mercados destinos do Brasil na atividade, mas que atualmente não apresenta grande relevância.

A região, portanto, tem demonstrado evolução em produção, mas ainda tem o desafio de conciliar reestruturação e modernização produtiva da produção com a inclusão social em zonas rurais, principalmente no caso em que há otimização com economia de escala. Em alguns países, tem se verificado a aquisição de grandes áreas de terras baratas por grupos de investidores estrangeiros. Esse caminho evolutivo lembra o modelo verificado em algumas regiões brasileiras, mas é muito incerto se ele vai ser aceito em um contexto rural com regiões rurais com alta densidade populacional e comunidades fortemente enraizadas nelas.

Também será importante para qualquer eventual expansão da produção agropecuária na Europa Oriental levar em conta os imperativos climáticos. Certas práticas e modelos de produção, como a aplicação extensiva de fertilizantes nitrogenados, que caracteriza a agricultura temperada, ou o crescimento da produção de proteína animal naturalmente vai de encontro aos padrões de sustentabilidade exigidos por países da EU — grande mercado naturalmente próximo e com capacidade de se tornar um destino no caso de um crescimento em exportações.

Em suma, as estruturas produtivas da região não são marcadas por condições equânimes e variam no que concerne à capacidade de atuar no mercado externo, e questões internas, como a relação a custo da mão de obra, valor da terra, maturação tecnológica e demanda. A Rússia e a Ucrânia têm desenvolvido a produção e ainda apresentam capacidade de crescimento, mas não acompanhado pelos demais países da região. Destaca-se principalmente a Ucrânia, que, apesar dos desafios produtivos e institucionais, tem obtido bons resultados.

Esses países ainda estão distantes de serem concorrentes relevantes ao comércio agrícola brasileiro, algo que poderá ocorrer no futuro. No entanto, será necessário avaliar com atenção o contexto que se desenhará após o atual conflito.

Neste texto, consideraremos, além de Rússia e Ucrânia, a seleção de alguns países da ex-URSS que não fazem parte do bloco da EU: Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Geórgia, Armênia, Azerbaijão e Moldova.

Fonte: InsperAgroGlobal