Devido às condições de trabalho adversas, baixa remuneração, infraestrutura pública precária e limitado acesso à informação, muitas famílias do meio rural encontram na saída do campo para a cidade uma solução para os seus problemas, fenômeno denominado como êxodo rural. A migração campo-cidade teve como efeito um expressivo aumento das taxas de urbanização e favelização entre as décadas de 1960 a 1980 e segue promovendo impactos na sociedade atual (ALVES et al., 2011). Nesse sentido, a pecuária leiteira é uma alternativa para fixar a mão de obra no campo, já que as agroindústrias familiares, em alguns estados, chegam a representar quase 70% dos produtores.
Em 2018, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, a produção de leite no Brasil ultrapassou 33 bilhões de litros, entretanto, o valor pago pelo litro do leite e os custos de produção ainda desestimulam o produtor. Dados de maio de 2020 do CEPEA indicam que o valor pago ao produtor brasileiro, em média, pelo litro de leite foi de R$ 1,3783, com custos de produção chegando à faixa de variação de 0,44%. Enquanto isso, o valor pago pelo queijo variou de R$ 18,00 a R$ 21,00. Para o produtor familiar a fabricação de queijos representa uma das formas mais eficientes de aumentar sua renda.
A lenda mais famosa sobre a origem do queijo conta que um mercador, viajante da Arábia, em uma de suas viagens por uma região montanhosa da Ásia, levava consigo tâmaras secas e um pouco de leite de cabra dentro de um cantil feito de estômago de carneiro. Quando ficou som sede, foi beber o leite, e do cantil escorreu somente um líquido fino e aquoso, o soro. O viajante cortou o cantil e viu que o leite havia se transformado em uma coalhada branca, o queijo (ALBUQUERQUE, 2002).
Já no Brasil, a produção de queijos iniciou-se com a colonização portuguesa, era produzido um queijo de características semelhantes ao Serra da Estrela, de Portugal. No século XVIII em Minas Gerais, iniciou-se a produção do queijo Minas, fabricado pelos pioneiros durante a corrida do ouro e, com a vinda de imigrantes dinamarqueses e holandeses para o Brasil, iniciou-se a produção de um queijo parecido com o Dambo e o Gouda, denominado queijo Prato (AQUARONE, 2001).
Desde o início da produção no Brasil, um dos principais entraves nas propriedades se relaciona à qualidade microbiológica da matéria-prima (leite), já que na grande maioria das vezes é utilizado o leite cru (não pasteurizado) (VICENTINI, 2015). Esse fator interfere diretamente na segurança do produto final, e pouco se sabe sobre os fatores microbiológicos e de composição do leite que conferem características próprias ao queijo produzido em vários locais.
A qualidade dos queijos produzidos nas propriedades pode ser melhorada por meio de treinamentos de produtores, melhorias na estrutura física das queijarias, regulamentação da produção e também a elevação no número de pesquisas e financiamentos por parte dos órgãos de fomento, com o intuito de aprimorar os conhecimentos sobre este assunto e possibilitar a fabricação de queijos mais seguros e de qualidade superior (SOBRAL et al., 2017) capazes de conquistar o mercado consumidor.
Se o agricultor familiar for orientado a produzir um queijo com foco na qualidade, constante monitoramento, seguindo padrões pré-estabelecidos (sejam focados em formas histórico-tradicionais, sejam focados em inovações), com tecnologia (no sentido de técnicas e controle de processos), sem automação de processos (robótica, etc), com todos os conhecimentos e cuidados envolvidos nas etapas produtivas (desde os cuidados com o animal até a maturação do produto final) (MATOS, 2019) agregará ainda mais valor a sua produção, pois poderá pleitear um selo de produtor de queijo artesanal.
Alguns exemplos de queijos artesanais, inclusive comercializados no mercado externo, são, o Queijo Colonial do Sul, Coalho do Nordeste e os Minas Artesanal, da Canastra e do Serro, evidenciando que a produção artesanal de queijo destaca-se como uma importante atividade. Porém, o principal entrave relacionado à produção e comercialização no mercado formal é atender as exigências legais desse tipo de produção de alimentos. O processo, na sua maioria, foi tecnificado, embora em algumas unidades familiares de produção ainda seja executado de maneira relativamente simples.
Para que a produção de queijos frescais, curados ou requeijões possa ser comercializada com segurança, é importante que o produtor esteja informado e capacitado para realizar os processos observando as regras higiênico-sanitárias preconizadas pelo Mapa, nas Instruções Normativas 76 e 77. Na maioria das vezes será necessário um investimento inicial que pode ser feito de maneira comunitária, através de associações ou cooperativas, para a criação das estruturas físicas da área de produção, que deve ter refrigeração, revestimento adequado, sistema de água encanada e eletricidade e, para a compra de equipamentos como tanques, estantes, pasteurizadores, refrigeradores e veículos para transporte do produto. Vale ressaltar a existência de linhas de crédito específicas para este tipo de investimento, como Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e suas linhas específicas como o Pronaf Agroindústria.
Neste sentido é primordial a criação de politicas públicas que ofereçam assistência técnica aos produtores familiares, orientando-os sobre o adequado manejo dos animais para obtenção do leite, condução e armazenamento de matéria-prima, instalações adequadas para processamento , embalagem e rotulagem e, principalmente, orientando quais investimentos devem ser feitos pelo produtor. É preciso também disponibilizar assistência técnica gerencial aos produtores, uma vez que a organização financeira, a boa gestão administrativa, bem como uma estratégia de negócios estruturada, é fundamental para a sustentabilidade econômica em longo prazo (ROCHA et al. 2018).
Agregar valor ao leite produzindo queijo é mais rentável do que vender apenas o leite. Nesse sentido, a pecuária leiteira para produção de queijos artesanais é mais que uma atividade econômica para aqueles que a praticam, além de ser uma forma de identidade cultural, agregação de valor ao produto primário, tornando-se uma melhor forma de renda (VINHA et al., 2010). É necessário proteger e incentivar as famílias engajadas na atividade, garantindo um rendimento digno e diversificação da produção. A produção de queijos, que em muitas regiões já possui bases tradicionais, revela-se um dos caminhos para a melhoria de vida dos produtores brasileiros.
Fonte: MilkPoint
Crédito: DP Pixabay