Queijarias goianas fazem adaptações para conquistar mercado no País com Selo Arte; 15 estão no processo de regularização que deve ampliar valor dos produtos locais
O mercado de queijo artesanal pode ganhar um novo impulso a partir deste ano em Goiás. Além da expectativa de aumento no consumo, a justificativa está especialmente nas emissões do Selo Arte, que começa a regularizar e permitir às pequenas agroindústrias a comercialização de sabores únicos das fazendas goianas para todo o País. Ao todo, 15 estão com processo em andamento para ter registro, rótulo e a permissão de funcionamento.
A produção de lácteos e derivados está presente em todas as regiões do Estado. Mas a regularização – que é demanda antiga do setor -, para venda dos queijos artesanais a partir do leite cru, está em progresso em 12 municípios (Hidrolândia, Bela Vista de Goiás, Corumbá, Guapó, Sanclerlândia, Alexânia, Ouro Verde de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Jataí, Avelinópolis, Cabeceiras e Luziânia).
Isso porque somente no ano passado tiveram início as primeiras habilitações para registro dos produtores conforme o que foi definido a partir de lei federal de 2019. O processo para ter o Selo Arte envolve boas práticas agropecuárias e de fabricação, o que inclui, por exemplo, ter a estrutura física da queijaria como determinam as normas específicas.
Milhares de produtores já atuavam no mercado antes dessa nova legislação. Assim, há movimento de adequação – no caso daqueles que têm interesse e buscam a regularização -, e isso tem envolvido tempo e investimentos que, segundo relato de empreendedores, têm variado de R$ 40 mil a R$ 400 mil.
A liberação para as primeiras vendas só começa a ocorrer neste início de 2021. Porém, vem com a perspectiva de maior valor dos produtos artesanais e geração de empregos no campo. A Queijaria Coqueiral, em Corumbá, tem o selo número um do Estado. O proprietário Lourenço Peixoto já produzia há mais de dez anos um queijo coalho com receita do Ceará. Isso para consumo só da família, especial para degustar no final da noite com vinho ou no café da manhã na chapa com café.
No ano passado, essa produção caseira corria o risco de deixar de existir, porque a produção de leite diminuiu, o preço estava baixo e a estrutura ficou ociosa na propriedade. “Conhecemos a lei e tentamos encaixar os processos para comercializar o queijo”, explica o gerente da fazenda, Wallber Castro. Em outubro, em solenidade com presença do governador Ronaldo Caiado (DEM) e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a queijaria recebeu o selo e este mês inicia as primeiras vendas.
“A intenção é fabricar no máximo dez queijos por dia”, pontua Wallber ao calcular que para cada quilo do produto são gastos 11 litros de leite, há custos com estrutura, cinco funcionários e impostos. Mas, com o lucro do comércio e mais taxas, o valor para o consumidor final pode ser até 60% maior. Porém, a promessa é o sabor único obtido desde o tipo do capim (tifton) que as vacas comem, passa pelos cuidados com os animais até os diferenciais na fabricação.
Com ajuda do ar condicionado a massa do queijo precisa de temperatura amena, na fase de maturação há ventilação natural com bônus da proximidade com a Serra dos Pireneus. “Estamos há 1,2 mil metros de altitude, chega a 8ºC e de dia 33ºC, o que cria um terroir diferente.” A intenção na fazenda é de que a produção se torne orgânica e há pesquisa para ter novas variações com fungos para coberturas diferentes.
A nova fonte de receitas pode no futuro ganhar também maior volume com organização de manejo para sair de 200 litros para 500 litros de leite por dia, o que resultaria em até 40 queijos. Porém, o gerente afirma que, primeiro, a intenção é testar o mercado. Já para as propriedades rurais menores, a queijaria tem peso maior para auxiliar na receita das famílias que vivem no campo.
Esse é o caso do Matheus Eduardo Ramos Lima, da Queijaria Lima, de Alexânia. Há quatro anos já trabalhava com queijo e a fazenda produz leite desde que a avó tomava conta. “Eu mudei para cidade e ficou para meu pai tirar leite e fazer requeijão, que era o carro-chefe. Meu pai parou e ficou só na venda de leite para laticínio. Resolvi voltar para fazer queijo minas e coalho”, conta o jovem de 24 anos.
Ele fez curso, sabe quais variedades o mercado pede mais e foi também um dos três primeiros que receberam o Selo Arte na solenidade que ocorreu em 2020. “Quero crescer, pegar mercados maiores, melhor preço e procurar pontos melhores de venda. E agora com o diferencial de poder comercializar de forma legal.” Trabalham junto a ele, a mãe e o irmão no negócio familiar que aposta no aumento do consumo de lácteos.
Selo promete ser acessível
“Goiás é o quarto maior produtor de leite do Brasil e tem uma cadeia importante. Política pública pode ajudar o produtor a fazer mais renda “, defende o superintendente de Produção Rural Sustentável da Secretaria de Estado de Agricultura (Seapa), Donalvam Maia, sobre o Selo Arte. Segundo ele, a regularização do queijo artesanal para venda comercial é acessível e traz oportunidade para propriedades familiares. “Temos de ter preocupação com a segurança para a saúde. Pode ser pequeno, mas no mercado tem de ser um produto apto ao consumo com controle sanitário e sem ser oneroso.” A expectativa é de que as pequenas agroindústrias gerem de cinco a dez empregos diretos. Para fomentar a produção dentro das normas, ele pontua que há trabalho também com oferta de linhas de crédito para os pequenos produtores rurais com juros abaixo do praticado no mercado e maior prazo para pagar. “Esse circuito não existia e estamos otimistas. A política pública faz sentido para maior parte dos produtores, são 95 mil em Goiás, e o Estado procura meios de desburocratizar e ajudar a aumentar a renda.”
Comércio busca sabores exclusivos e regionais
Cada queijo é considerado uma peça única no comércio que se dedica ao produto artesanal. Carrega no sabor a identidade do local onde foi fabricado e a condição de cada preparo. Em Goiás, a produção artesanal tem crescido e a diversidade de sabores também. Mas como não é nada em grande escala, são poucas unidades disponíveis. Assim, lojas especializadas têm corrido atrás das novidades para oferecer aos consumidores.
No Brasil, o consumo médio por ano é de 5,13 quilos de queijo por habitante. Em 2019, isso representou 1,12 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq). Mesmo que o valor seja expressivo, ainda é considerado que há potencial para ampliar esse mercado. Proprietário do Empório da Lola, Luciano Martins Carneiro é especialista no assunto e percebe aquecimento. “A gente já vende cinco vezes mais”, diz sobre o comércio que iniciou há dois anos.
“O mercado de empórios e queijaria cresceu muito pelo movimento de divulgação das pessoas e tende a crescer mais com o Selo Arte, que regulariza”, completa. Ele visita fazendas pelo País atrás de queijos especiais e que fujam do que é produzido de forma massiva pelas indústrias. Com as novas normas, acredita que o mercado pode se fortalecer e evitar atravessadores e má remuneração dos produtores.
“Quando a gente compra um queijo representamos um produtor, contamos a história da fazenda e do produto.” Uma relação próxima e de confiança entre as partes que o circuito artesanal tem permitido e em alguns casos exigido.
“Por mais que a receita seja igual, coalho, pingo e sal, cada queijo tem um gosto. Cada produtor faz de uma forma.” Um dos produtos que Luciano vende pelo e-commerce e vem de Goiás é da Queijaria Serra do Bálsamo. Por lá. a maturação é feita em caverna. São seis variedades, entre eles há um lavado com cerveja e outro flambado.
O proprietário da fazenda, João Vicente Rodrigues Borges, conta que está no mercado desde 2017, ganhou espaço no comércio pelo reconhecimento que conquistou e agora entra no processo para obter o Selo Arte. Com isso, planeja vender para todo o Brasil. “Acredito que vou aumentar as vendas.” Com a produção de queijo, ele consegue até quintuplicar o valor do litro do lei te produzido se com parado com o quanto está o preço para venda aos laticínios.
“É uma questão de paixão também, tem de gostar muito e acreditar. Além do queijo, quero transformar a propriedade em agrofloresta e há projeto com parte social, para ter frutas, hortaliças e visitação”, expõe.
Para o coordenador técnico do Senar Goiás, Joás Barbosa Bueno, há novos caminhos e mais oportunidades no mercado legal e, por isso, até a orientação mudou, com uma nova cadeia de assistência à agroindústria artesanal. “Muitas vezes o produtor informal não tem conhecimento, vende em beira de estrada e a formalização é acessível. Estamos com 13 produtores no processo de assistência. “
Fonte: Senar