Apesar de distante geograficamente, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia pode impactar no bolso do consumidor goiano, deixando os preços de vários produtos mais caros e pressionando a inflação. Os efeitos do conflito podem chegar através de altas nos preços dos combustíveis, alimentos e até dos juros por influência do câmbio. Rússia e Ucrânia são grandes produtoras de commodities e insumos importantes na cadeia global de valor, que afetam as cotações no mercado mundial. De acordo com a pesquisa Sondagem da América Latina, divulgada na última semana pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que ouviu 160 especialistas em 15 países, existem diversos canais pelos quais a crise entre Rússia e Ucrânia pode chegar à economia brasileira. Combustíveis
A maior pressão no momento vem do preço internacional do petróleo, cujo barril do tipo Brent encerrou a semana em US$ 105, maior nível desde 2014. Especialistas projetam que pode chegar a US$ 150. De acordo com a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), depois que os ataques começaram, a defasagem de preços praticados pela Petrobras atingiu 16% para a gasolina e 14% para o diesel. Apesar dos preços dos combustíveis ainda estarem em baixa nos postos, o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo em Goiás (Sindiposto-GO), Márcio Andrade, diz que a expectativa é de um novo reajuste a qualquer momento. “O Brasil está mais barato que o preço do mercado internacional em torno de R$ 0,60. Não sabemos se o aumento será anunciado pela Petrobras esta semana, mas não deve demorar muito”, prevê. Para o professor de Economia e coordenador do Centro de Pesquisa da Unialfa, Aurélio Troncoso, ainda há muita especulação no mercado em relação ao preço do petróleo, já que a Rússia não faz parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). “Não compramos da Rússia. Só de países do Oriente Médio”, destaca.
Alimentos O levantamento da FGV mostra que a guerra no Leste europeu também pode elevar os preços dos alimentos. A Rússia é a maior produtora mundial de trigo e a Ucrânia ocupa a quarta posição no grãos e responde por 16% das exportações globais de milho. De acordo com a Agroconsult, a cotação do trigo no mercado internacional já subiu mais de 20% e deve continuar em alta. “Apesar de não sermos importadores de petróleo ou trigo da Rússia, o impacto ocorre de forma indireta. Como estes países são grandes produtores, a falta de exportações deles reduz a oferta mundial e eleva os preços internacionais”, explica a economista Adriana Pereira de Sousa, professora do curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG). O coordenador institucional do Instituto para Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), Leonardo Machado, lembra que o aumento do diesel também interfere indiretamente no preço dos alimentos, por causa de fretes mais caros. “No caso do trigo, num mercado globalizado, problemas na oferta do grão em países grandes produtores se refletem em preços mais altos do grão e de produtos como o pão e macarrão”, completa. Fertilizantes A Rússia também é o maior produtor mundial de fertilizantes, que são afetados pelo petróleo mais caro, e o Brasil compra mais de 20% dos fertilizantes que usa dos russos. “Fertilizantes são a base da produção agropecuária em Goiás e no Brasil e sua escassez impactaria o custo de produção e os preços em toda cadeia”, alerta Leonardo Machado.
Ele ressalta que Rússia e Belarrus são nossos principais fornecedores de fertilizantes à base de nitrogênio e potássio. “Devemos lembrar que já estamos vindo de um contexto de preços elevados destes produtos no Brasil”, ressalta. Para Aurélio Troncoso, o caso dos fertilizantes preocupa mais que o do petróleo. Ele acredita que se a guerra se estender por mais tempo, poderá resultar na quebra de mais de 20% da produção nas lavouras brasileiras. “Outros países não conseguiriam nos entregar estes insumos de imediato”, ressalta. O resultado seriam preços mais altos dos alimentos.
Câmbio Outra pressão sobre os preços deve vir da alta do câmbio. O dólar mais caro também impacta o custo das commodities em geral, resultando em alimentos mais caros. O dólar, que chegou a atingir R$ 5 na quarta-feira (23), fechou a sexta-feira (25) a R$ 5,15 após a ocupação de cidades ucranianas por tropas russas. Dólar alto também significa mais pressão sobre a inflação. Vale lembrar que, na última edição do boletim Focus, pesquisa semanal com instituições financeiras divulgada pelo Banco Central, os analistas de mercado já elevaram a projeção anual de inflação oficial para 5,56% em 2022. Se o dólar continuar subindo e pressionando a inflação, o Banco Central pode aumentar a taxa Selic, o que também significa custos mais altos no País.
Por enquanto, os efeitos no câmbio são relativamente pequenos porque o Brasil teve uma queda de quase 10% na cotação da moeda norte-americana este ano. Mas efeitos mais severos poderiam ocorrer no caso de um prolongamento do conflito.
Pressão inflacionária vem de várias frentes
Desde 2020, com o início da pandemia, o Brasil vive sob o impacto de uma escalada inflacionária, com os índices fechando o ano sempre acima da meta. O professor de Economia Internacional da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edson Roberto Vieira, lembra que as pressões vieram, principalmente, dos grupos de produtos e serviços de alimentos e transportes, justamente os que devem ser mais impactados agora pelo conflito na Ucrânia.
Segundo ele, o fato da Rússia e da Ucrânia serem grandes exportadoras de commodities agrícolas, como trigo e milho, deve impactar as cotações destes grãos no mercado mundial e elevar preços de produtos muito consumidos pelos goianos, como o pão.
“O milho já vem de uma forte pressão de custos, que elevou muito os preços das carnes no País por causa da ração para os animais”, destaca. Novas altas reduziriam ainda mais o consumo por conta da queda na renda. Ele reforça que outro ponto importante é o fato de nossa logística de transportes ser, basicamente, rodoviária. “Altas dos combustíveis costumam provocar efeito cascata de reajustes nos preços de produtos em geral”, lembra.
As sanções impostas à Rússia, como a retirada de bancos do sistema internacional de pagamentos Swift e o congelamento de reservas internacionais, também podem inviabilizar o embarque de produtos daquele país para o Brasil e atrasar o desembarque de mercadorias que já estão a caminho. Especialistas na área de comércio exterior avaliam que o maior risco para o Brasil neste momento é não garantir a entrega de fertilizantes e adubos, que representaram 62% das importações vindas da Rússia em 2021. Mauro Lourenço Dias, diretor presidente da Fiorde Logística Internacional, afirma que as sanções podem inviabilizar a concessão de cartas de crédito a exportadores e importadores. Sem essa garantia de recebimento, empresas brasileiras e russas não teriam segurança para concretizar suas operações. “Fica inviável fazer o comércio internacional. O sistema de pagamentos já ficou comprometido. Sem Swift, os grandes bancos não vão dar carta de crédito para operações com a Rússia”, afirma. Mesmo mercadorias já embarcadas podem ficar retidas mais tempo nos portos brasileiros até que a empresa importadora consiga fazer o dinheiro chegar ao vendedor na Rússia. “O navio vai chegar e ter dificuldade de liberar a carga”, afirma. (FohaPress).
Fonte: O Popular Online
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