O cultivo de trigo no Rio Grande do Sul passa por um momento difícil. Após alguns anos com preço relativamente elevados e colheitas regulares a excelentes, a frustração na safra 2014 e as perspectivas para 2015 preocupam os técnicos e os produtores rurais.
Para esta safra, aliam-se o desempenho negativo da safra 2014 e a perspectiva de El Niño para a safra 2015, além de elevação do custo de produção e redução do preço do produto em comparação a safra passada. Esta conjugação de fatores, apesar de já ter ocorrido em outras safras, gera apreensão e a necessidade de adoção de estratégias que sejam capazes de minimizar riscos e atenuar o impacto no potencial produtivo da lavoura. Nestes momentos é fundamental o uso do conhecimento, ter discernimento do que é tecnologia e o que é insumo, além de acompanhar a lavoura de perto e, com intervenções necessárias e “cirúrgicas”, evitar o uso de “perfumarias” na lavoura e até mesmo gastar um pouco da “poupança” acumulada no solo ao longo dos anos.
Em outras palavras, o conhecimento sobre a cultura, que atualmente é disponibilizado para a assistência técnica, permite o cultivo de trigo de forma competitiva e sustentável, independentemente das perspectivas de clima e de mercado para a safra ora em curso, que, em última instância, apontam os caminhos para a produção de trigo diante da conjuntura que se desenha em 2015.
Como exemplo destas possibilidades, podemos citar:
A escolha da cultivar, que acaba determinando várias coisas, como o potencial produtivo, as exigências nutricionais e o manejo (“pacote”) de proteção de plantas, entre outros.
O uso de quantidade de sementes acima da indicada não tem garantido aumento no rendimento de grãos. Pelo contrário, as boas condições gerais de muitas lavouras e o avanço na genética disponibilizada aos produtores rurais tem feito com que o trigo apresente estabilidade de rendimento de grãos mesmo quando submetido a uma faixa ampla de densidade de semeadura, que permitiria, até mesmo, uma pequena redução na quantidade de sementes que é atualmente utilizada por hectare.
Na nutrição de plantas, a adubação, muitas vezes excessiva, realizada por vários anos, tem feito com que muitas áreas de lavoura estejam com valores de nutrientes (N, P e K, especialmente) capazes de garantir safras com potencial de rendimento elevado, mesmo sem o uso de adubação (a chamada “poupança do solo”), que possibilitaria a redução/eliminação da adubação por, pelo menos, uma safra. O nitrogênio em cobertura deve ser utilizado em conformidade com a indicação técnica específica por cultivo (levando em conta a cultura anterior, o teor de matéria orgânica no solo e a expectativa de rendimento de grãos) e com aplicação no momento que proporcione maior potencial de rendimento de grãos. Aplicações tardias de nitrogênio em trigo (espigamento/florescimento) podem ser suprimidas na maioria das cultivares atualmente em uso nas lavouras, pois não aumentam rendimento de grãos e nem melhoram a qualidade tecnológica.
O uso de micronutrientes, hormônios e enraizadores, que apresentam, muitas vezes, efeitos duvidosos e oneram o custo de produção da lavoura, devem ser usados em situações muito especiais.
O uso de redutor de crescimento, apesar de necessário em situações específicas, e com bons resultados ao evitar o acamamento de plantas, deve ocorrer somente em situações em que realmente sua necessidade seja imprescindível e de utilidade previamente demonstrada.
A prática muito utilizada de “calendarização” no uso de fungicidas e inseticidas (com aplicações preventivas e com data marcada) também precisa ser revista. O ideal é realizar o monitoramento no enfoque do Manejo Integrado de Pragas e Doenças, com intervenções somente quando e onde necessárias (“cirurgicamente precisas”).
Alguns críticos poderiam afirmar que os aspectos citados seriam indicadores do cultivo de trigo sem o “uso de tecnologia”. No entanto, “tecnologia” não é sinônimo de “uso de insumos”. Para alguns, quanto mais adubo, mais semente, mais fungicida mais tecnologia está sendo usada na lavoura e maior será o rendimento de grãos. Isso na maioria das vezes não se observa em trigo, que, apesar de ser uma cultura exigente em tecnologia, não demonstra respostas relevante em rendimento e qualidade tecnológica para alguns modismos de manejo não validados pela pesquisa e exageros no uso de insumos.
O retorno econômico em trigo nem sempre é garantido pelo máximo “uso de insumos”. O que ocorre, muitas vezes, é ser campeão de rendimento, mas sem retorno econômico e/ou com elevado risco. Em outras situações, com o uso racional de insumos (tecnologias específicas por região, cultivar, época de semeadura, etc.) consegue recordes de rendimento de grãos e o máximo retorno ou, mesmo com rendimentos inferiores aos campeões regionais, um máximo retorno econômico.
É evidente que estas situações são dependentes de uma assistência técnica bem treinada e de produtores rurais que sejam efetivamente gestores de seus empreendimentos, não podendo, de forma alguma, serem generalizadas. Para cada realidade de produção cabem práticas poupadoras de insumos que devem ser coerentes com o clima da região e a logística de cada propriedade. Num ano incerto como 2015, recomenda-se que seja usado muito mais “conhecimento/tecnologia” do que “insumo/perfumaria” para quem quiser efetivamente produzir trigo de forma competitiva e sustentável.
* João Leonardo Pires é pesquisador do Núcleo de Manejo e Nutrição de Plantas da Embrapa Trigo