A pergunta no título desse artigo é quase uma provocação para o debate, não é mesmo? Mas calma, hoje vamos tratar deste tema muito polêmico e tenho certeza de que você, produtor, irá se identificar de alguma forma.
Não vou me alongar muito na teoria, pois, ao final, tenho um convite especial para você, produtor.
Quem acompanha minha coluna sabe que eu gosto de pensar nas coisas que observamos no mundo sob uma ótica científica e estou sempre em busca de estudos que permitam isso.
Pesquisando na literatura internacional, encontrei diversos artigos que tratam da satisfação do produtor com o preço do leite e a sua relação com seu nível de fidelização aos laticínios. Por incrível que pareça, lá na Malásia, tem um grupo de pesquisadores que publicou uma série de artigos sobre esse tema e eu acredito que diversos conceitos valem para o nosso contexto. Lá no final deste texto tem a indicação dos artigos originais (em inglês).
Quando falamos em satisfação com o preço, temos que ter em mente que esse termo é multidimensional, ou seja, envolve vários aspectos psicológicos que tratamos corriqueiramente apenas como: “estou satisfeito” ou “não, não estou satisfeito” com isso ou com aquilo. E a partir desse julgamento binário de “0” ou “1”, tomamos decisões, por exemplo, de ficar ou não com um laticínio no próximo mês ou próximo ano.
Nestes estudos, os pesquisadores encontraram que quando há satisfação com o preço do leite o relacionamento entre produtor/laticínio é melhorado e que apenas pagar um valor maior pelo leite não é suficiente para aumentar o grau de fidelização dos produtores.
O grau de satisfação dos produtores como preço do leite pode ser dividido em 5 componentes:
a) Confiabilidade e Confiança de Preço;
b) Transparência de preço;
c) Preço Relativo;
d) Razão Preço/Qualidade e;
e) Honestidade do preço.
Lendo pela primeira vez, esses atributos podem parecer a mesma coisa, mas vou explicar as principais diferenças.
A Confiabilidade e Confiança de Preço acontece quando os produtores percebem que os preços não irão mudar inesperadamente, mas se mudarem, eles serão informados em tempo hábil para se ajustar. Como consequência de uma maior confiabilidade no preço o relacionamento entre produtor e indústria tende a ser mais estável.
A transparência de preços é um aspecto importante da política de preços de um laticínio. A transparência existe quando o produtor pode facilmente entender os mecanismos que os laticínios usam para formar os preços. Ou seja, como o preço base é formado e quais os cálculos são feitos para chegar no preço final. Quanto mais transparência, maior é a satisfação.
O preço relativo é o preço que o produtor recebe comparado com o preço praticado por outros laticínios na mesma região, ou ao preço recebido por produtores do mesmo laticínio. Quanto maior for o preço recebido em relação aos demais produtores, maior será a satisfação. Muitas vezes, o produtor de leite no Brasil não tem nem como comparar o seu preço com os do vizinho por falta de comunicação.
A razão entre preço e qualidade diz respeito a percepção que o produtor tem sobre as caraterísticas de qualidade que o seu leite tem e o preço que ele recebe. Trocando em miúdos, é se o preço está adequado ao produto que ele está entregando para o laticínio. Quanto maior for o ajuste do preço a qualidade e volume do produtor maior será a satisfação.
Honestidade do preço diz respeito ao sentimento de injustiça que os produtores têm quando descobrem que o mesmo comprador de leite ofereceu preços diferentes para outros produtores semelhantes a ele. Qual produtor nunca passou por isso?
Figura 1 – Elementos que compõem o grau de satisfação dos produtores com o preço recebido pelo leite vendido para o laticínio.
Os cinco itens apontados neste texto compõem apenas um dos aspectos que pode afetar a fidelização dos produtores aos laticínios, que é a satisfação com o preço. Junto com ele tem também a confiança no laticínio, a comunicação, os custos de mudança de laticínio, influência das redes de relacionamento, o poder de negociação, logística etc.
Deu para perceber que são muitos aspectos a serem explorados neste assunto de fidelização, não é mesmo? E é uma pena que não tenhamos nenhum destes estudos aqui no Brasil.
Fonte: MilkPoint